DA SÉRIE DICAS DE LEITURA - CONTOS DE AMOR E DESAMOR
MINHA HISTÓRIA COM MEUS LIVROS - CAPÍTULO 5 - LITERATURA ESTRANGEIRA 1
Me lembro que por algum motivo no primeiro ano de faculdade, a mesma Prof.ª Rosana, da disciplina de Literatura Brasileira citou o livro e obviamente fiquei curiosíssima para lê-lo! Eu não tinha dinheiro para comprá-lo novo. Mas eu sabia que podia ir a um sebo e trocar por algum livro meu.
Então comentei o fato com meu colega M. e ele me levou ao primeiro sebo que conheci em Curitiba (o qual infelizmente fechou suas portas), na Travessa Jesuíno Marcondes, onde pude fazer a troca. Não sei se fiz besteira ou não, o fato é que troquei a peça Orfeu da Conceição, do Vinicius de Moraes por Madame Bovary.
Mas o caso é que Orfeu da Conceição tecnicamente não era meu. O livro era (ou não era) de uma ex-colega do meu 3º ano do Ensino Médio. Por quê? Porque no ano em que terminei o Ensino Médio, eu e alguns ex-colegas resolvemos fazer uma pequena festa de encerramento do ano em minha casa, porque afinal, todos iríamos finalmente para uma nova etapa da vida: a faculdade, tão sonhada por alguns e não desejada por outros.
Então, tivemos a meiga ideia de fazer um amigo-secreto já para comemorar o Natal que se aproximava. Eu ganhei um bichinho de pelúcia (um coelhinho mais precisamente e que guardo até hoje) e uma determinada colega, a V. foi presenteada pela pessoa que a tirou como amiga secreta, a F., justamente com esse livro do Vinicius.
O fato é que na hora da revelação, quando V. abriu o presente e descobriu que era o livro, simplesmente teve um chilique inexplicável e fez uma cara de decepção, desfazendo do presente como se não tivesse gostado de recebê-lo, criando uma situação constrangedora não só para ambas, mas para todos nós que presenciamos a cena patética e desnecessária. F., logicamente não sabia o que fazer e num ato meio que de desespero, ofereceu-se rapidamente para trocar o livro por qualquer outro título que V. escolhesse, mas esta pareceu totalmente desinteressada pela proposta.
Resultado: ao término da pequena reunião, ao resolver ir para casa, V. decidindo que realmente não gostara do presente, o deixou de lado jogado em cima do meu sofá da sala. E F., sentindo-se naturalmente ultrajada também decidiu que não valia a pena trocar o livro para uma pessoa tão ingrata e tão deselegante na hora de receber um presente e, assim, o livro acabou sobrando para mim.
Até o momento não consegui decidir bem se sinto um pequeno resquício de culpa ou não, uma vez que a obra poética de Vinicius que me levou para os caminhos da Poesia. Mas ao mesmo tempo não tinha como não adquirir Flaubert!
Já o outro livro da foto, Sílvia (de Gerard de Nerval, um autor também francês), foi citado por Umberto Eco, nos seus Seis passeios pelos bosques da ficção como um exemplo de autor-modelo que procura criar uma simetria com um leitor-modelo, entre outros conceitos do teórico italiano. Obviamente que não podia deixar de conferir a obra para entender como se dá isso em seu enredo.
Uma coisa sei que é certa: foi a partir daí que só aumentou meu interesse por Literatura Francesa.
OS MELHORES PREFÁCIOS DA LITERATURA UNIVERSAL - PAMELA, de SAMUEL RICHARDSON
Com a intenção de ensinar religião e moralidade de uma maneira tão fácil e agradável que seja capaz, ao mesmo tempo, de torná-las prazerosas e proveitosas;
Com a intenção de explicar, da forma mais clara possível, os deveres paternos, filiais e sociais;
Com a intenção de pintar os maus hábitos com as cores que lhes cabem, de modo a lhes tornar merecidamente odiosos, e de apresentar a virtude com sua própria luz afável de modo a fazer com que pareça atraente;
Com a intenção de retratar personalidades com imparcialidade e de apoiá-las com clareza;
Com a intenção de colocar à mostra a angústia de causas naturais e de estimular a compaixão apenas de alguns;
Com a intenção de ensinar ao homem próspero como usar sua fortuna, ao homem apaixonado como dominar sua paixão, e ao homem maledicente como se regenerar de um modo elegante e digno;
Com a intenção de dar exemplos práticos e adequados a serem seguidos pela virgem, pela noiva e pela esposa em situações mais críticas e aflitivas;
Com a intenção de atingir bons resultados da maneira mais provável, mais natural e mais ágil, como o entusiasmo que deve envolver cada leitor sensato, e manter sua atenção na história;
E tudo sem levantar a mais simples dúvida sobre o conteúdo que possa chocar a pureza mais escrupulosa, mesmo nos momentos mais ardentes em que esta pureza venha a se sentir mais apreensiva.
Se essas recomendações são louváveis e valerem a pena, o editor das cartas seguintes, baseadas tanto na Verdade quanto na Natureza, se arrisca a afirmar que todas as intenções reunidas podem ser alcançadas aqui.
Portanto, confiante da recepção favorável com que se arrisca a indicar esse seu pequeno trabalho, julga desnecessária qualquer apologia a ele, por dois motivos: primeiro por poder recorrer à sua própria paixão (àquela a que tem sido levado a examinar detalhadamente) e às paixões de todos os que venham a lê-lo com atenção, e depois porque o editor pôde julgá-lo com a imparcialidade que raramente um autor costuma ter.
RICHARDSON, S. Pamela ou a virtude recompensada. Trad. Carlos Duarte; Anna Duarte. 1 ed. São Paulo: Martin Claret, 2016.
NOSTALGIA - SÉRIE VAGA-LUME DA EDITORA ÁTICA
Lista de livros publicados
Volume | Título | Autor | Ano de publicação |
---|---|---|---|
1 | A ilha perdida | Maria José Dupré | 1973 |
2 | Cabra das Rocas | Homero Homem | 1973 |
3 | Coração de Onça | Ofélia Fontes e Narbal Fontes | 1973 |
4 | Éramos Seis | Maria José Dupré | 1973 |
5 | O Escaravelho do Diabo | Lúcia Machado de Almeida | 1974 |
6 | O Gigante de Botas | Ofélia Fontes e Narbal Fontes | 1974 |
7 | O Caso da Borboleta Atíria | Lúcia Machado de Almeida | 1975 |
8 | Cem noites Tapuias | Ofélia Fontes e Narbal Fontes | 1976 |
9 | Menino de Asas | Homero Homem | 1977 |
10 | Tonico | José Rezende Filho | 1978 |
11 | Spharion | Lúcia Machado de Almeida | 1979 |
12 | A Serra dos Dois Meninos | A. Fraga Lima | 1980 |
13 | O Mistério do Cinco Estrelas | Marcos Rey | 1981 |
14 | Zezinho, o dono da porquinha preta | Jair Vitória | 1981 |
15 | O Feijão e o Sonho | Orígenes Lessa | 1981 |
16 | Aventuras de Xisto | Lúcia Machado de Almeida | 1982 |
17 | O rapto do Garoto de Ouro | Marcos Rey | 1982 |
18 | Xisto no espaço | Lúcia Machado de Almeida | 1982 |
19 | Tonico e Carniça | Francisco de Assis Almeida Brasil e José Rezende Filho | 1982 |
20 | Um Cadáver Ouve Rádio | Marcos Rey | 1983 |
21 | Xisto e o Pássaro Cósmico | Lúcia Machado de Almeida | 1983 |
22 | A Primeira Reportagem | Sylvio Pereira | 1983 |
23 | Sozinha no Mundo | Marcos Rey | 1984 |
24 | Os Pequenos Jangadeiros | Aristides Fraga Lima | 1984 |
25 | Os Barcos de Papel | José Maviael Monteiro | 1984 |
26 | Deus me Livre! | Luiz Puntel | 1984 |
27 | O Mistério dos Morros Dourados | Francisco Marins | 1985 |
28 | Dinheiro do céu | Marcos Rey | 1985 |
29 | Perigos no Mar | Aristides Fraga Lima | 1985 |
30 | A Grande Fuga | Sylvio Pereira | 1985 |
31 | Bem-vindos ao Rio | Marcos Rey | 1986 |
32 | Pega Ladrão | Luiz Galdino | 1986 |
33 | Açúcar Amargo | Luiz Puntel | 1986 |
34 | O Outro Lado da Ilha | José Maviael Monteiro | 1986 |
35 | Enigma na Televisão | Marcos Rey | 1987 |
36 | Os Passageiros do Futuro | Wilson Rocha | 1987 |
37 | Meninos sem Pátria | Luiz Puntel | 1988 |
38 | A Montanha das Duas Cabeças | Francisco Marins | 1988 |
39 | O Ninho dos Gaviões | José Maviael Monteiro | 1988 |
40 | Garra de Campeão | Marcos Rey | 1988 |
41 | A Vida Secreta de Jonas | Luiz Galdino | 1989 |
42 | Aventura no Império do Sol | Silvia Cintra Franco | 1989 |
43 | Quem Manda já Morreu | Marcos Rey | 1989 |
44 | A Turma da Rua Quinze | Marçal Aquino | 1989 |
45 | Na Barreira do Inferno | Silvia Cintra Franco | 1990 |
46 | Um Leão em Família | Luiz Puntel | 1990 |
47 | Corrida Infernal | Marcos Rey | 1990 |
48 | Na Mira do Vampiro | Lopes dos Santos | 1990 |
49 | A Árvore que Dava Dinheiro | Domingos Pellegrini | 1991 |
50 | A Maldição do Tesouro do Faraó | Sérsi Bardari | 1991 |
51 | O Desafio do Pantanal | Silvia Cintra Franco | 1991 |
52 | Na Rota do Perigo | Marcos Rey | 1991 |
53 | Ameaça nas Trilhas do Tarô | Sérsi Bardari | 1992 |
54 | O Jogo do Camaleão | Marçal Aquino | 1992 |
55 | Tráfico de Anjos | Luiz Puntel | 1992 |
56 | Um Rosto no Computador | Marcos Rey | 1992 |
57 | O Fantasma de Tio William | Rubens Francisco Lucchetti | 1992 |
58 | Confusões & Calafrios | Silvia Cintra Franco | 1992 |
59 | Um Gnomo na Minha Horta | Wilson Rocha | 1993 |
60 | Office-boy em Apuros | Bosco Brasil | 1993 |
61 | Doze Horas de Terror | Marcos Rey | 1993 |
62 | O Segredo dos Sinais Mágicos | Sérsi Bardari | 1993 |
63 | A Aldeia Sagrada | Francisco Marins | 1993 |
64 | O Mistério da Cidade-Fantasma | Marçal Aquino | 1994 |
65 | Agitação à Beira-mar | Leusa Araujo | 1994 |
66 | O Brinquedo Misterioso | Luiz Galdino | 1994 |
67 | Um Inimigo em Cada Esquina | Raul Drewnick | 1994 |
68 | O Diabo no Porta-malas | Marcos Rey | 1995 |
69 | O Fabricante de Terremotos | Wilson Rocha | 1995 |
70 | Viagem pelo Ombro da Minha Jaqueta | Lô Galasso | 1995 |
71 | Em Busca do Diamante | Francisco Marins | 1995 |
72 | A Vingança da Cobra | Marcos Bagno | 1995 |
73 | Vencer ou Vencer | Raul Drewnick | 1995 |
74 | O Primeiro Amor e Outros Perigos | Marçal Aquino | 1996 |
75 | O Super Tênis | Ivan Jaf | 1996 |
76 | A Charada do Sol e da Chuva | Luiz Galdino | 1996 |
77 | Terror na Festa | Janaína Amado | 1996 |
78 | Gincana da Morte | Marcos Rey | 1997 |
79 | Jogo Sujo | Marcelo Duarte | 1997 |
80 | Missão no Oriente | Luiz Puntel | 1997 |
81 | O Preço da Coragem | Raul Drewnick | 1997 |
82 | A Magia da Árvore Luminosa | Rosana Bond | 1998 |
83 | Segura, peão! | Luiz Galdino | 1998 |
84 | A Grande Virada | Raul Drewnick | 1999 |
85 | A Guerra do Lanche | Lourenço Cazarré | 1999 |
86 | O Robô que Virou Gente | Ivan Jaf | 1999 |
87 | Nas Ondas do Surfe | Edith Modesto | 2000 |
88 | Operação Nova York | Luiz Antonio Aguiar | 2000 |
89 | Correndo Contra o Destino | Raul Drewnick | 2001 |
90 | Deu a Louca no Tempo | Marcelo Duarte | 2001 |
91 | Tem Lagartixa no Computador | Marcelo Duarte | 2001 |
92 | Crescer é uma Aventura | Rosana Bond | 2002 |
93 | S.O.S. Ararinha-azul | Edith Modesto | 2002 |
94 | Manobra Radical | Edith Modesto | 2003 |
95 | Na Ilha do Dragão | Maristel Alves dos Santos | 2003 |
96 | O Ouro do Fantasma | Manuel Filho | 2004 |
97 | A Noite dos Quatro furacões | Raul Drewnick | 2005 |
98 | O Grito do Hip-Hop | Fátima Chaguri e Luiz Puntel | 2005 |
99 | O Segredo dos Índios | Edith Modesto | 2005 |
100 | O Senhor da Água | Rosana Bond | 2006 |
101 | A Chave do Corsário | Eliana Martins | 2007 |
102 | Morte no Colégio | Luis Eduardo Matta | 2007 |
103 | Salvando a Pele | Mário Teixeira | 2007 |
104 | O Mestre dos Games[5] | Afonso Machado | 2008 |
105 | Ponha-se no Seu Lugar[6] | Ana Pacheco | 2020 |
106 | Os Marcianos[6] | Luiz Antônio Aguiar | 2021 |
OS MANUSCRITOS PERDIDOS DE CHARLOTTE BRONTE
Passeando num shopping da cidade despretensiosamente em plena segunda-feira de Carnaval ao levar meu filho em um bailinho para crianças, eis que me deparo com uma pequena livraria a céu aberto. Obviamente que aquilo chamou minha atenção. E, assim, ao deixar marido e filho na área de diversão e recreação do shopping rumei sem pensar duas vezes para lá. Meu objetivo era tentar descobrir alguma relíquia perdida no meio daqueles "livros da moda" e baratos (best-sellers e pseudoauto-ajudas da vida) que eles costumam vender nesses pequenos stands no meio de shoppings e supermercados.
E eis que para minha surpresa depois de me deparar com alguns clássicos e outros filosóficos (e separar alguns) e andar pelo espaço por duas vezes, de repente esbarro num Charlotte Bronte capa dura e tudo! A princípio pensei se tratar do velho e bom Jane Eyre, que eu já tenho. Mas olhando bem o livro percebi que era uma relíquia da qual não tinha conhecimento: OS MANUSCRITOS PERDIDOS DE CHARLOTTE BRONTE! Pensei logo comigo: --- de que se trata isso?!
Mais uma vez sem pensar duas vezes tratei logo de catar o livro para mim antes que algum outro caçador de relíquias (apesar de ser difícil encontrá-los em shoppings) surgisse do nada e disputasse essa comigo. Por estar plastificado e ter ainda um compromisso a cumprir com a criança, só pude examinar seu conteúdo mais detalhadamente mais tarde quando cheguei em casa.
Para minha surpresa maior ainda trata-se de uns manuscritos de contos escritos por Charlotte bem antes da publicação de Jane Eyre, datados de sua adolescência. Mas se engana quem pensa que a surpresa para por aí. Tais manuscritos foram encontrados dentro de um livro antigo (The remains of Henry Kirke White, de um jovem poeta falecido aos 21 anos) que pertenceu à mãe das irmãs Bronte (Maria Branwell) entre 1810 até sua morte em 1821 e que após o falecimento precoce de toda a família entre os anos de 1825 e 1861, saiu de Haworth, na Inglaterra (residência dos Bronte), em 1869 para circular pelos Estados Unidos por quase 150 anos (!) nas mãos de diversos colecionadores até voltar em definitivo para o Bronte Personage Museum em 2016.
O Bronte Personage Museum administrado pela Sociedade Bronte (organização mundial fundada em 1893) é um museu criado em Haworth para preservar a história da família Bronte, onde estão reunidos objetos pessoais, móveis e manuscritos pertencentes a eles. A Sociedade além de preservar a memória da família de autoras famosas da Literatura Universal, oferece bolsas de estudos para a compreensão de suas vidas e obras, um programa de artes contemporâneas, explorando suas ligações com a literatura "e encontrando novas formas de analisar e trabalhar a coleção".
E as curiosidades do livro não param por aí! Ao adquirir a obra do jovem poeta lá em 1810, Maria a levou para casa e a guardou em segurança até que em 1812 com a morte de seu pai em Penzance, na Cornualha, a decisão de passar a residir com uma tia em Yorkshire e mais o casamento relâmpago com Patrick Bronte a levaram a pedir que fossem despachados todo o resto de seus pertences em um baú por um navio que deveria chegar são e salvo em seu destino. Entretanto, não foi bem o que aconteceu. Em algum momento da viagem o navio sofreu um quase naufrágio e os pertences de Maria foram praticamente todos destruídos, restando apenas o livro e poucos outros objetos para que pudesse começar sua vida matrimonial com o Reverendo Patrick.
Logo, o livro passou a ter um grande valor sentimental para ela e posteriormente para Patrick e os filhos, que passaram a fazer inúmeras anotações, dedicatórias, marcações e desenhos em suas páginas. Mas o que continua sendo um grande mistério é como os manuscritos da jovem Charlotte foram parar no meio do livro, visto que não fora seu pai que os colocara ali e tendo passado por inúmeras mãos de colecionadores por tantos anos desde o primeiro leilão realizado em 1861, após a morte de Patrick. É um mistério que os estudiosos da obra das irmãs Bronte ainda tentam descobrir.
E, como se vê, o livro pertencente à Maria Branwell sobreviveu a uma verdadeira epopeia para chegar são e salvo até os nossos dias.
P.S: Para quem quiser mais informações sobre a Sociedade e o Bronte Museum, basta acessar os seguintes sites:
1) www.bronte.org.uk/support-us
2) www.bronte.org.uk/bronte-shop
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
DINSDALE, A. & others. Os manuscritos perdidos de Charlotte Bronte. Trad. Thereza Christina Rocque da Motta. 1 ed. São Paulo: Faro Editorial, 2019.
MANEIRA DE BEM SONHAR DOS METAFÍSICOS - FERNANDO PESSOA
A melhor maneira de começar a sonhar é mediante livros. Os romances servem de muito para o principiante. Aprender a entregar-se totalmente à leitura, a viver absolutamente com as personagens de um romance, eis o primeiro passo. Que a nossa família e as suas mágoas nos pareçam chilras e nojentas ao lado dessas, eis o sinal do progresso.
É preciso evitar ler romances literários onde a atenção seja desviada para a forma do romance. Não tenho vergonha em confessar que assim comecei. [...] Nunca pude ler romances amorosos detidamente. Mas isso é uma questão pessoal, por não ter feitio de amoroso, nem mesmo em sonhos. Cada qual cultive, porém, o feitio que tiver. Recordemo-nos sempre de que sonhar é procurarmo-nos. O sensual deverá, para suas leituras, escolher as opostas às que foram as minhas.
Quando a sensação física chega, pode dizer-se que o sonhador passou além do primeiro grau do sonho. Isto é, quando um romance sobre combates, fugas, batalhas, nos deixa o corpo realmente moído, as pernas cansadas... o primeiro grau está assegurado. No caso do sensual, deverá ele --- sem receber a imagem mais que mentalmente --- ter uma ejaculação quando um momento desses chegar no romance.
Depois procurará trazer tudo isso para o mental. A ejaculação, no caso do sensual (que escolho para exemplo, porque é o mais violento e frisante) deverá ser sentida sem se ter dado. O cansaço será muito maior, mas o prazer é completamente mais intenso.
EXCERTO DE:
PESSOA, Fernando. O livro do desassossego. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
OS MELHORES PREFÁCIOS DA LITERATURA UNIVERSAL - MRS. DALLOWAY, DE VIRGINIA WOOLF
É difícil --- talvez impossível --- a um escritor dizer qualquer coisa sobre sua obra. Tudo o que ele tem a dizer, já disse da maneira mais completa, da melhor maneira que lhe é possível, no corpo do próprio livro. Se não conseguiu deixar claro o que pretendia dizer, é pouco provável que consiga num prefácio ou num posfácio de algumas páginas. E a mente do autor tem outra característica que também é avessa à introduções. É inóspita para sua cria como uma pardoca com seus filhotes. Depois que as avezinhas aprendem a voar, têm de voar; quando saem do ninho, a mãe começa talvez a pensar em outra prole. Da mesma forma, depois de impresso e publicado, um livro deixa de ser propriedade do autor; este o confia ao cuidado dos outros; toda a sua atenção é demandada por algum novo livro, que não só expulsa o predecessor do ninho, como também costuma denegrir sutilmente o caráter do outro em comparação ao dele mesmo.
É verdade que o autor, se quiser, pode nos contar alguma coisa de si e de sua vida que não está no romance; e é algo que devemos incentivar. Pois não existe nada mais fascinante do que se enxergar a verdade por trás daquelas imensas fachadas de ficção --- isso se a vida for de fato fictícia. E provavelmente a ligação entre ambas é de extrema complexidade. Livros são flores ou frutas pendentes aqui e ali numa árvore com raízes profundas na terra de nossos primeiros anos, de nossas primeiras experiências. Mas, aqui também, para contar ao leitor alguma coisa que sua imaginação e percepção ainda não descobriu, seria necessário não um prefácio de uma ou duas páginas, e sim uma autobiografia em um ou dois volumes. Devagar, com cuidado, o autor se lançaria ao trabalho, desenterrando, desnudando, e, mesmo depois de trazer tudo à superfície, ainda caberia ao leitor decidir o que importaria e o que não importaria. Assim, quanto a Mrs. Dalloway, a única coisa possível no momento é trazer à luz alguns pequenos fragmentos, de pouca ou talvez nenhuma importância: por exemplo, que Septimus, que depois se tornaria o duplo dela, não existia na primeira versão; e que Mrs. Dalloway, originalmente, ia se matar ou talvez apenas morrer no final da festa. Esses fragmentos são humildemente oferecidos ao leitor, na esperança de que, como outras miudezas, possam ser úteis.
Mas, se temos demasiado respeito pelo leitor puro e simples para lhe apontar o que deixou passar ou lhe sugerir o que deve procurar, podemos falar de modo mais explícito ao leitor que despiu sua inocência e se tornou crítico. Pois, ainda que se deva aceitar em silêncio a crítica, seja positiva ou negativa, como o legítimo comentário a que convida o ato da publicação, de vez em quando aparece alguma afirmação que não se refere aos méritos ou deméritos do livro e que o escritor sabe que é equivocada. É uma afirmação dessas que se tem feito sobre Mrs. Dalloway com frequência suficiente para merecer talvez uma objeção. Disseram que o livro era fruto deliberado de um método. Disseram que a autora, insatisfeita com a forma de ficção em voga na época, decidira pedir, tomar emprestado, roubar ou mesmo criar outra forma própria. Mas, até onde é possível ser honesto sobre o misterioso processo mental, os fatos são outros. Insatisfeita, a escritora podia estar; mas sua insatisfação se dirigia basicamente à natureza, por dar uma ideia sem lhe prover uma casa onde pudesse morar.
Os romancistas da geração anterior não ajudaram muito --- aliás, por que haveriam de ajudar? Evidentemente, a morada era o romance, mas ele parecia construído sobre o projeto errado. A essa ressalva, a ideia começou, como começa a ostra ou o caracol, a secretar uma casa própria. E assim procedeu sem nenhum rumo consciente. O caderninho que abrigava uma tentativa de montar um projeto logo foi abandonado e o livro cresceu dia a dia, semana a semana, sem projeto nenhum, exceto o que era determinado a cada manhã na atividade de escrever. Desnecessário dizer que a outra maneira --- construir uma casa e depois morar nela, desenvolver uma teoria e então aplicá-la, como fizeram Wordsworth e Coleridge --- é igualmente boa e muito mais filosófica. Mas, no presente caso, foi necessário antes escrever o livro e depois inventar uma teoria. Se, porém, assinalo este ponto específico dos métodos do livro para discussão, é pela razão citada: porque se tornou tema de comentário entre os críticos, e não porque mereça atenção em si. Pelo contrário, quanto mais bem-sucedido o método, menos atenção ele atrai. O que se espera é que o leitor não dedique nenhum pensamento ao método ou à falta de método do livro. O que lhe diz respeito é apenas o efeito do livro como um todo em sua mente. Desta questão, a mais importante de todas, ele é um juiz muito melhor do que o escritor. Na verdade, tendo tempo e liberdade para moldar sua própria opinião, ao fim e ao cabo ele é um juiz infalível. E a ele, então, que a escritora entrega Mrs. Dalloway e sai do tribunal confiante de que o veredito, seja a morte imediata ou alguns anos mais de vida e liberdade, em qualquer dos casos será justo.
Londres, junho de 1928.
WOOLF, V. Mrs. Dalloway. Trad. Denise Bottmann. 1 ed. Porto Alegre: L&PM, 2019.