FILMES PARA VER ANTES DO FIM DO MUNDO - PARTE I



A REVISTA ÉPOCA lançou há algum tempo um guia em que sugere 300 filmes para nós pobres mortais assistirmos antes de esticar as canelas, bater as botas, enfim, antes do fim dos tempos. Ou, como queiram, antes do aguardado evento do Apocalipse. Aos poucos vou citando todos eles. Transcrevo aqui exatamente as recomendações do guia. Vou colocando de 15 em 15 nas postagens, até porque é inconcebível um post com os 300 filmes. Portanto, eis os primeiros 15 pela minha ordem:

1. AMADEUS (1984, Milos Forman):  Adaptado da peça de Peter Shaffer montada em 1979, Amadeus é ainda a referência básica de cinebiografia de época. [...] A grandiosidade da produção lhe garantiu uma série de prêmios ao redor do mundo, incluindo a avaliação máxima da Academia americana e influenciando cineastas como Baz Luhrmann e Todd Haynes. Um dos méritos do filme foi o de levar para todo o mundo [...] parte significativa da obra do compositor austríaco. 

2. APOCALYPSE NOW (1979, Francis Ford Coppola): [...] Coppola adapta o livro Coração das trevas, de Joseph Conrad, preservando sua essência: a viagem a um inferno verde que também é uma jornada ao centro da sanidade mental. O horror da guerra (do Vietnã) é transformado em uma ópera de cenas inacreditáveis, com toda a teatralidade do sangue italiano do diretor surgindo em cenas grotescas e hilárias, às vezes, ao mesmo tempo. [...] Coppola supera a saga da família Corleone em único filme, fazendo sua obra-prima. [...] Tudo é uma aula de cinema. 

3. BELEZA AMERICANA (1999, Sam Mendes): [...] Beleza americana retrata a insegurança do homem em relação ao seu papel, revisto na virada do século. Recheado de fetiches, angústia e introspecção, o filme confronta os personagens com a decadência do mundo que os cerca. [...] A descrição de Lester Burnhan sobre seu cotidiano define o sentimento de insignificância do homem moderno - onde a masturbação no banho se transforma no ponto mais alto do dia. 

4. BATMAN BEGINS (2005, Christopher Nolan): É a versão cinematográfica mais fiel aos quadrinhos de Batman. Christopher Nolan pegou os melhores elementos do personagem e os inseriu em seu filme. Da minissérie Ano Um tomou a narrativa noir e a versão para a origem do herói. De O cavaleiro das trevas, a violência e a ambientação decadente-futurista. [...] Christian Bale dá ao personagem o ar sombrio que faltou aos anteriores. 

5. BONNIE E CLYDE, UMA RAJADA DE BALAS (1967, Arthur Penn): Baseado em fatos reais, o filme é um dos marcos de uma nova Hollywood, que passou a preferir os bandidos aos heróis. [...] Hollywood nunca mais foi a mesma depois desse casal e de sua gangue de assaltantes, todos dirigidos em ritmo de poesia violenta por Arthur Penn. 

6. CIDADÃO KANE (1941, Orson Welles): Orson Welles queria estrear no cinema adaptando O coração das trevas, de Joseph Conrad, mas acabou fazendo uma biografia disfarçada do magnata da imprensa William Randolph Hearst. O começo em formato cinejornal, o claro-escuro expressionista, os cenários góticos, a mistura e sobreposição de vozes, os ângulos da câmera, enfim... [...] É o longa de estreia de Welles, com 26 anos e somente experiência em teatro. O resultado é uma das obras mais revolucionárias do cinema mundial.

7. CIDADE DE DEUS (2002, Fernando Meirelles): Poucas vezes no cinema brasileiro um filme juntou de forma tão perfeita energia criativa e preciosismo técnico que transbordam em cada cena. [...] Ao focalizar a decadência progressiva de um bairro pobre em que os jovens sem opções vão tornando-se criminosos mais e mais violentos, o filme foi comparado a Os bons companheiros, de Martin Scorcese. 

8. CIDADE DOS SONHOS (2001, David Lynch): O arrojado delírio noir de David Lynch explora o universo dos simbolismos e personagens bizarros tão queridos ao diretor. Em suas múltiplas dimensões, que chutam as regras da temporalidade e linearidade, é quase impossível encontrar o fio da meada entre sonho, pesadelo e o que realmente acontece. 

9. CHINATOWN (1974, Roman Polanski): Contando com todos os elementos de um noir típico dos anos 1940, passado nos 1930, e inserido no contexto dos 1970, Chinatown revisitou as intrincadas tramas policiais do passado, atualizadas com o sentimento de desconfiança e repúdio ao governo. Funciona como a versão em negativo de O poderoso chefão, mostrando o crime organizado pelo ponto de vista de um ex-policial. 

10. CREPÚSCULO DOS DEUSES (1950, Billy Wilder): Talvez o grande filme noir da história de Hollywood, confronta elementos do gênero dark e urbano (inveja, cinismo, falta de escrúpulos) com o glamour do star-system da indústria cinematográfica. [...] Mesmo com pontas de nomes famosos de Hollywood, como Buster Keaton, [...] o show é de Gloria Swanson que usa expressões exageradas do cinema mudo para compor uma Norma Desmond caricata e perigosa. 

11. DE VOLTA PARA O FUTURO I, II E III (1985, 1989, 1990, Robert Zemeckis): A trilogia De volta para o futuro marcou época ao tornar pop um tema nerd como viagem no tempo. Ideias como as fotos que se alteram e pessoas que podem desaparecer lentamente, na medida em que seu destino está sendo alterado são usadas de forma divertida. O trunfo dos filmes está na química entre Marty e Lloyd, que funcionam perfeitamente como uma dupla improvável. 

12. DURO DE MATAR (1988, John Mctiernan): É o filme de ação mais influente dos anos 1980. Gerou duas continuações e incontáveis imitações. Estabeleceu Bruce Willis como astro e definiu o arquétipo do novo herói de ação: um ser de carne e osso que se machuca, mas que tem fibra para diante das circunstâncias, triunfar. Segue à risca a fórmula de que tudo o que acontece, todo o objeto que é focalizado em close por apenas frações de segundos, tem alguma importância na história. 

13. (OS) EMBALOS DE SÁBADO À NOITE (1977, John Badham): O filme define o espírito de sua época. Jovens pobres que trabalham de segunda à sexta e descarregam todas as suas frustrações em uma discoteca nos finais de semana. [...] Para mostrar o clima das discotecas e colocar a plateia na pista, o filme foi um dos primeiros da história a usar o steady-cam - recurso técnico que permite que câmeras menores, sem o uso de tripés ou rodas, estejam no meio da ação. O filme reverberou as roupas e as músicas que tanto influenciariam a cultura. 

14. (O) EXORCISTA (1973, William Friedkin): Crianças e terror sempre foram um casamento perfeito - a candura da infância é diametralmente oposta à face do mal e o atrito entre ambos quase sempre gera calafrios. A história é simples e nela assistimos à possessão da jovem Regan Mcneil (Linda Blair, de tirar o fôlego) e seu exorcismo por parte de dois padres, um novato e um veterano. O filme é talvez "o" show de horrores da história do cinema, sem artigo indefinido. 

15. (O) FABULOSO DESTINO DE AMELIE POULAIN (2001, Jean-Pierre Jeunet): Um dos maiores sucessos mundiais em 2001, o filme tornou-se uma referência como fórmula nova de comédia romântica. O responsável por essa façanha é o diretor Jean-Pierre Jeunet com seu apurado gosto visual e delicada ironia, além da presença encantadora da atriz Audrey Tatou.







FUNDAMENTOS DA ARTE DE ESCREVER ROTEIRO PARA CINEMA





[...] Personagem, desejo, conflito e coragem. [...] Mais de 90% dos roteiros rejeitados em Hollywood não têm estes quatro componentes essenciais. Pense em um roteiro como uma pirâmide. Personagem, desejo, conflito e coragem estão nos quatro cantos da base da estrutura; eles formam a fundação que apoiará tudo aquilo que acontece no filme. O cume da pirâmide representa seu principal objetivo: emoção. Todo elemento de qualquer roteiro é projetado para maximizar o envolvimento emocional do leitor e da plateia. Sem todos os quatro componentes necessários na sua base, a estrutura desmoronará, e o filme falhará.

[...] O PERSONAGEM é o ponto de entrada do filme para seu leitor/plateia. Ainda que todas as pessoas que povoam sua história sejam importantes, é o herói ou protagonista o motivo da sua real preocupação. Outros personagens servirão para apoiar o desejo do herói ou aumentar o conflito, mas é o seu personagem principal que serve como o veículo para a jornada emocional de qualquer leitor. Sem um herói com quem ele possa se identificar, raiz para envolvimento emocional, uma audiência pode até assistir um filme, mas nunca o experimentará emocionalmente. Eles poderiam ver, poderiam ouvir e poderiam pensar no que acontece, mas eles nunca sentirão isto.

[...] As perguntas que você deve fazer quando desenvolve seus personagens, especialmente seu herói, são: Por que a audiência se preocupará com estas pessoas? Ela vai gostar delas, preocupa-se com elas? Por que alguém passaria duas horas com esses personagens? Eles são engraçados, únicos, ou fascinantes? Eles parecem reais? Eles são tridimensionais, com qualidades que vão além da mera ocupação ou função no enredo? E, mais importante, meu herói é alguém com quem a audiência possa se identificar? Eles estão exercitando a capacidade de se tornar o meu herói em um nível psicológico e experienciar a história como se estivesse acontecendo com eles?

[...] DESEJO é o poder que dirige sua história. Todos os filmes são sobre pessoas que querem algo. Quanto mais interessante, arrebatador e desesperado o desejo, mais envolvida estará a plateia. A maioria dos heróis dos filmes bem sucedidos de hoje tem desejos claros e bem visíveis, com objetivos claramente definidos: os dois policiais em SEVEN querem deter um serial killer; Jim Lovell quer trazer de volta para a Terra a cápsula espacial avariada em APOLLO 13. Mas em alguns filmes, os desejos dos heróis vão além de situação e relação: em UNSTRUNG HEROES o menino quer lidar com a enfermidade de sua mãe vivendo com os seus tios excêntricos; o casal em FORGET PARIS quer resolver sua relação; em biografias como CHAPLIN e GANDHI, os personagens-título passam por uma série de aventuras enquanto perseguem os seus grandes desejos, de sucesso em Hollywood ou independência da Índia.

Estes tipos de roteiros são muito mais difíceis de vender, porque o desejo não está bem visível, a ação não surge da descrição da história, e os filmes dependerão muito mais da profundidade do personagem e execução do enredo. Todavia, mesmo neste caso as histórias ainda são dirigidas pelos desejos dos personagens. E há outro nível de desejo que adiciona crescimento ao personagem e torna-se tema para muitos filmes: o desejo interno do herói por esperança, aceitação, auto estima e amor. A profundidade emocional e textura de filmes como RAIN MAN, THE SHAWSHANK REDEMPTION, SLEEPLESS IN SEATTLE e FORREST GUMP cresce a partir deste nível mais profundo de necessidade e desejo.

A pergunta mais importante que você sempre se fará é "O que quer o meu herói?” Como você mostrará este desejo na tela? O quanto desesperadamente seu herói o deseja? A vida dele nunca estará completa sem realizar seu desejo ou ele poderia passar sem realizá-lo? Por que o leitor se preocupará com este desejo? É único, arrebatador e grande o bastante para agarrar uma plateia na história? E finalmente, "Qual a oposição à realização dos desejos do meu herói?” Porque é a partir da oposição ao desejo que surgirá o conflito que desenvolverá sua história.

CONFLITO. Se o desejo é a força que leva sua história adiante, o conflito é o elemento que extrairá emoção da audiência. Quase todos os momentos de clímax em um filme acontecerão quando os heróis (ou outros personagens principais) enfrentarem obstáculos aparentemente insuperáveis para alcançar seus objetivos. A excitação, suspense, surpresa ou terror de uma corrida, um duelo, uma perseguição de carros ou um monstro crescem a partir da confrontação física; a dor, tristeza ou catarse de um sentimento, uma separação ou uma morte emergem dos conflitos emocionais dos personagens.

O conflito interior dos personagens também aumentará o poder emocional de um roteiro. As próprias fraquezas do herói, medos, inseguranças, ciúme, ignorância e falta de autoestima multiplicarão os obstáculos a ser enfrentados, e envolverão o leitor mais profundamente na história. Igualmente importante, a antecipação do conflito aumenta ainda mais o envolvimento do leitor/espectador em qualquer roteiro. Medo e expectativa crescem a partir da antecipação de perigo, preocupação é a antecipação de alguma perda, e esperança é a antecipação do sucesso.

Em uma comédia, o tom é modificado de forma que as emoções, da mesma forma, contribuam para criar humor. Quando a história envolve humor e piedade, quando uma comédia física retrata dor e sofrimento, e quando a fraqueza de um herói, engano ou impostura é exposta, a plateia reage. E quando são vencidos obstáculos que pareciam impossíveis ultrapassar, a audiência se delicia, com satisfação ou alegria -- o antagonista é derrotado, os amantes se reencontram, o derrotado vence e o mundo torna-se certo novamente.

Assim as perguntas a fazer sobre seu roteiro devem assegurar que o conflito que envolve o herói é sem igual, poderoso e emocionalmente envolvente: Por que parece impossível para meu herói atingir o seu objetivo? O conflito é tão original, tão interessante e tão dominante quanto seja realisticamente possível? Os obstáculos que ele enfrenta aumentam com o progresso de história? Os outros personagens no filme estão procurando realizar os próprios desejos em oposição ao herói? Os obstáculos se antecipam construindo expectativa, humor e/ou excitação? As fraquezas do meu herói e seus conflitos internos aumentam o conflito e a emoção na história? E a resolução de todos estes conflitos é plausível e satisfatória?

O último teste para todos os conflitos enfrentados pelo herói é se eles requerem CORAGEM. Para o leitor se preocupar verdadeiramente com o enredo e com o personagem, o herói deve ser forçado a arriscar tudo o que ele estima e colocar a própria vida em risco. Se ele não estiver morto de medo enquanto luta para alcançar seus objetivos, então o conflito não é grande o bastante, e a audiência estará assistindo o filme em lugar de senti-lo.

Filmes de ação e suspense requerem coragem física. As vidas de heróis estão literalmente na corda bamba e eles devem se apressar para parar ou escapar dos assassinos. Mas na maioria das comédias e em todas as histórias de amor e dramas, os heróis têm que possuir coragem emocional, ou eles sofrerão a perda de tudo que é muito importante para a sua realização como seres humanos. Os heróis de SLEEPLESS IN SEATTLE sofrem o risco emocional da mesma forma que em SPEED e DIE HARD os personagens principais sofrem o risco físico.

[...] Assim, as perguntas finais para dirigir ao seu roteiro são: O que está realmente em jogo para o meu herói? O que verdadeiramente o assusta? O que perderá ele se não alcançar o seu objetivo? Por que faria realmente não atingir o objetivo? O que o força a arriscar tudo para alcançar seus objetivos? Onde ele encontra a coragem necessária para ir em frente? Como o herói se modifica e, em última instância, onde encontra coragem para modificar-se? E como este crescimento e transformação do herói se aplicarão às vidas quotidianas da plateia? Quando o filme tiver terminado, o público sentirá que atingiu o mesmo nível de coragem e temor na medida em que se envolveu com os desejos de meu herói? Em outras palavras, minha história verdadeiramente tocou e mudou minha plateia?

Somente dominando os elementos personagem, desejo, conflito e coragem é que seu roteiro alcançará uma audiência, a tocará emocionalmente e possivelmente atingirá seus mais profundos níveis de emoção e sentimento.

SOBRE O AUTOR:

Michael Hauge. É consultor de histórias e roteiro, autor e conferencista. Trabalha com escritores e cineastas em seus roteiros, romances, filmes e projetos televisivos em Hollywood.