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CARTAS DE AMOR - ROMANCES PROTAGONIZADOS POR GRANDES NOMES DA LITERATURA - John Keats



John Keats nascido em Londres, em 31 de outubro de 1795 e falecido em Roma aos 25 anos em 1821, em decorrência da tuberculose foi um dos últimos poetas românticos ingleses, juntamente com Lord Byron e Percy Shelley. 

Seu trabalho literário raramente foi bem recebido pela crítica e pelo público. Mas indiferente a isso, ele escreveu bastante durante sua curta vida, aprimorando seu talento.  Em 1817, publicou sua obra Poemas e em 1818 começou a escrever o longo poema Endymion, recebendo inúmeras críticas. 

Nesse mesmo ano conheceu Fanny Brawne, sua vizinha em Hampstead, que seria o grande amor de sua vida (de quem o poeta foi noivo), tendo que separar-se dela em 1820 devido à doença. 

"Seu amigo Charles Brown fez o relato comovente da primeira vez que Keats viu uma mancha de sangue no lençol: 'conheço a cor daquele sangue; é sangue arterial. Não há possibilidade de engano com tal cor: aquela gota de sangue é minha sentença de morte. Vou morrer'".  (Doyle, p. 78, 2010)

Assim, na esperança de conseguir a cura, o poeta foi para a Itália, onde faleceu poucos meses depois. Em sua memória, Shelley escreveu o célebre poema, Adonais. Abaixo, uma de suas cartas para a amada:

Para Fanny Brawne, 8 de julho de 1819. 

Minha gentil menina, 

Tua carta  me trouxe mais alegria do que qualquer coisa no mundo poderia trazer, a não ser tua presença; de fato, fico quase abismado por ver que a ausência de alguém pode exercer sobre meus sentidos o extravagante poder que sinto. Mesmo quando não penso em ti, sinto infiltrarem-se em mim tua ternura e uma natureza mais afetuosa. 

Vejo que nem meus pensamentos, nem meus dias e noites mais infelizes me curaram do amor pela beleza, mas o tornaram tão intenso que me sinto um desgraçado por não estares comigo; ou ainda, respiro naquela espécie de paciência sombria que não pode ser chamada de vida. Não sabia antes o que era um amor como o que me fizeste sentir; não acreditava nele; minha fantasia temia que esse amor me devorasse em sua chama. 

Porém, se me amares plenamente, embora possa haver fogo, ele não será mais do que podemos suportar quando regados e orvalhados pelos prazeres. Mencionas "pessoas horríveis" e me perguntas se delas depende eu tornar a ver-te. Procura compreender-me nessa questão, meu amor. Tenho tanto de ti em meu coração que preciso ser para ti um Mentor quando vejo uma ocasião de te ocorrer algum mal. 

Eu jamais veria em teus olhos senão prazer, em teus lábios senão amor e em teus braços senão felicidade. Gostaria de ver-te desfrutar de divertimentos adequados às tuas inclinações e teus sentimentos, de modo que nossos amores pudessem ser um encantamento em meio a prazeres deleitáveis, e não um motivo de incômodo e preocupação. 

No entanto, caso ocorra o pior, não sei se serei suficientemente filosófico para agir de acordo com minhas próprias lições; se visse minha resolução causar-te sofrimento, não teria essa capacidade. Por que não posso falar de tua beleza, se sem ela eu nunca poderia ter-te amado? Não consigo conceber o advento de um amor como o que sinto por ti se não fosse pela beleza. 

É possível que exista uma espécie de amor pelo qual, sem sombra de descaso, tenho o maior respeito e que posso admirar nos outros, mas tal amor não tem a riqueza, a plenitude, o encantamento do sentimento a que prefiro. Portanto, permite que eu fale de tua beleza, embora para meu próprio risco, se fores tão cruel a ponto de experimentar-lhe o poder com mais alguém. Dizes que tenho medo de pensar que não me amas ---ao dizê-lo, me fazes desejar mais ainda estar a teu lado.

Estou aqui empregando conscienciosamente minhas habilidades; não se passa sequer um dia em que não rabisque versos brancos ou alinhave algumas rimas. Devo confessar (já que trato desse assunto) que te amo mais ainda por acreditar que me amaste por mim mesmo e por nada mais. Já encontrei mulheres que, tenho certeza, gostariam de se casar com um poema ou de ter a mão dada por um romance. 

Vi teu cometa e só espero que ele tenha sido um sinal de que o pobre Rice, transformado pela doença numa companhia bastante melancólica, irá melhorar a ponto de ser capaz de dominar seus sentimentos e escondê-los de mim com um gracejo forçado. Cobri teus escritos de beijos na esperança de que tenhas procurado gratificar-me, deixando neles um pouco de mel. Como foi o teu sonho? Conta-o e eu o interpretarei para ti. 

Sempre teu, meu amor! 

John Keats


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 

DOYLE. U. Cartas de amor de homens notáveis. Trad. Doralice Lima. 1 ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2010. 

CARTAS DE AMOR - ROMANCES PROTAGONIZADOS POR GRANDES NOMES DA LITERATURA - de Georg Sand para Alfred de Musset


Todas as cartas de amor são ridículas. [Álvaro de Campos]

George Sand (pseudônimo de Amandine Aurore Lucile Dupin inspirado no nome do escritor Jules Sandeau, amigo e um de seus amantes), é considerada uma das, senão a maior escritora francesa. Nascida em Paris em 1804 numa época em que não se aceitava muito bem a presença das mulheres nos meios literários, foi obrigada a abrir mão de sua própria identidade após o lançamento de seu primeiro romance Indiana em 1832, obtendo grande sucesso. 

Para sua época, a escritora possuía hábitos bastante peculiares, digamos assim e, consideravelmente avançados para uma mulher, como fumar em público e vestir-se com roupas masculinas por divertimento e praticidade, segundo ela. Além disso, era bastante prolífica na produção de suas obras, possuindo também uma vida e um currículo amoroso invejáveis e um tanto quanto agitados, com paixões que exerceram forte influência em seus escritos. 

Em sua interessante lista de affairs constam entre outros, Jules Sandeau (de onde derivou seu pseudônimo),  o advogado Michel de Bourges (que lhe apresentou os ideais republicanos e socialistas), o músico Frédéric Chopin e o poeta Alfred de Musset, para o qual a missiva abaixo é endereçada algum tempo depois de uma desastrosa viagem dos amantes à Veneza, na Itália, provavelmente entre os anos de 1833-34, a qual resultou no final conturbado do relacionamento. 

Percebe-se na carta todos os clichês possíveis para expressar seu amor e o tom de mágoa e um certo sofrimento pela separação, apesar de pretender mostrar-se desejosa de manter a amizade com o poeta, pedindo-lhe que lhe envie pares de luvas novas e os versos escritos por ele (fica a dúvida se feitos para ela ou não). 

Para Alfred de Musset, 15-17 de abril de 1834.

"Meu querido anjo, não recebi qualquer carta de Antonio e estava num estado espantoso de ansiedade. Estive com Vicenza com o objetivo de saber como havias passado a primeira noite. Só soube que cruzaste a cidade pela manhã. Dessa forma, a única notícia que tive de ti foram as duas linhas que escreveste de Pádua, e não sei o que pensar. Pagelllo me disse que, se estivesses doente, com certeza Antonio nos teria escrito, mas sei que neste país as cartas se perdem ou ficam seis semanas a caminho. Estava desesperada. Por fim, recebi tua carta de Genebra. Oh, quanto te agradeço por ela, minha criança! Como ela é gentil e como me animou! É mesmo verdade que não estás doente, que estás forte e não sofres? Estou sempre com medo de que, por afeição, estejas exagerando tua boa saúde. Possa Deus dar-te saúde e proteger-te, meu cher petit. Isso me é tão necessário quanto a tua amizade. Sem um e a outra, não posso esperar ter sequer um único dia agradável. 

Não acredites, não acredites, Alfred, que eu possa ser feliz pensando que perdi teu amor. Que importa se fui tua amante ou tua mãe? Que meu amor ou minha amizade te hajam inspirado, que eu tenha sido feliz ou infeliz contigo, nada disso muda meu estado de espírito no momento. Sei que te amo, e isso é tudo. [Três linhas foram apagadas]. Cuidar de ti, preservar-te de todo mal, de qualquer contrariedade, cercar-te de divertimentos e prazeres, isso é tudo de que preciso e sinto falta desde que te perdi. Por que uma tarefa tão doce, que eu teria executado com tanta alegria, torna-se pouco a pouco tão amarga e por fim, subitamente, fica impossível? Que fatalidade transformou em veneno as poções que eu te oferecia? Como é possível que eu, que teria dado todo o meu sangue para proporcionar-te uma noite de repouso e paz, me tornei para ti um tormento, um castigo, um espectro? Quando essas lembranças atrozes me perseguem (e quando elas me deixarão em paz?), fico quase louca. Molho meu travesseiro com lágrimas. Ouço tua voz chamando no silêncio da noite. Quem irá me chamar agora? Quem precisará de minha vigília? Como usarei a força que acumulei para ti e que agora se volta contra mim? Oh, minha criança, minha criança! Como preciso de tua ternura e de teu perdão! Nunca peças meu perdão, nunca digas que me prejudicaste. O que sei eu? Não me lembro de nada, a não ser de que fomos muito infelizes e nos separamos. Porém sei, sinto que nos amaremos por toda a vida, de todo o coração e toda a inteligência, que tentaremos por meio de uma afeição sagrada [palavra apagada] curar-nos mutuamente dos males que nos causamos.

Ai de mim, não! Não foi culpa tua. Obedecemos a nosso destino, pois nossos temperamentos, mais impulsivos que os dos outros, nos impediram de aceitar a vida de enamorados quaisquer. No entanto, nascemos para conhecer e amar um ao outro, tem certeza disso. Se não fosse por tua juventude e pela fraqueza que tuas lágrimas me causaram, certa manhã, teríamos permanecido irmão e irmã...

Estás certo, nossos amplexos eram incestuosos, mas não o sabíamos. Lançamo-nos inocente e sinceramente nos braços um do outro. Bem, então, tivemos uma única lembrança desses amplexos que não tenha sido casta e sagrada? Em um dia de febre e delírio me censuraste por nunca ter-te feito sentir os prazeres do amor. Isso me causou lágrimas e agora estou convencida de haver alguma verdade naquele discurso. Estou bem contente que aqueles prazeres tenham sido mais austeros, mais velados do que os encontrarás em outro lugar. Pelo menos, não te lembrarás de mim quando estiveres nos braços de outra mulher. No entanto, quando estiveres só, quando sentires necessidade de rezar e chorar, pensarás em tua George, tua verdadeira companheira, tua enfermeira, tua amiga ou algo melhor do que tudo isso. Pois o sentimento que nos une é feito de tantas coisas que não se compara a qualquer outro. O mundo nunca irá compreendê-lo. Tanto melhor. Nós nos amamos e podemos ignorar o mundo...

Adieu, adieu, minha querida criança. Escreve-me sempre, eu te peço. Ah, se eu soubesse que chegaste a Paris em segurança e com saúde! 

Lembra que me prometeste cuidar de ti. Adieu, meu Alfred, amor da tua George. 

Peço-te que me mandes 12 pares de luvas acetinadas, seis amarelas e seis coloridas. Acima de tudo, manda-me os versos que escreveste. Todos eles, não tenho nenhum!"

A título de curiosidade, existe um volume, Correspondência de George Sand e Alfred de Musset, com algumas das cartas de amor trocadas entre eles e outros escritos, infelizmente sem tradução para o português. 


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

DOYLE, U. Cartas de amor de mulheres notáveis. Trad. Doralice Lima. 1 ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2011.