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OS MANUSCRITOS PERDIDOS DE CHARLOTTE BRONTE

 




Passeando num shopping da cidade despretensiosamente em plena segunda-feira de Carnaval ao levar meu filho em um bailinho para crianças, eis que me deparo com uma pequena livraria a céu aberto. Obviamente que aquilo chamou minha atenção. E, assim, ao deixar marido e filho na área de diversão e recreação do shopping rumei sem pensar duas vezes para lá. Meu objetivo era tentar descobrir alguma relíquia perdida no meio daqueles "livros da moda" e baratos (best-sellers e pseudoauto-ajudas da vida) que eles costumam vender nesses pequenos stands no meio de shoppings e supermercados. 

E eis que para minha surpresa depois de me deparar com alguns clássicos e outros filosóficos (e separar alguns) e andar pelo espaço por duas vezes, de repente esbarro num Charlotte Bronte capa dura e tudo! A princípio pensei se tratar do velho e bom Jane Eyre, que eu já tenho. Mas olhando bem o livro percebi que era uma relíquia da qual não tinha conhecimento: OS MANUSCRITOS PERDIDOS DE CHARLOTTE BRONTE! Pensei logo comigo: --- de que se trata isso?!

Mais uma vez sem pensar duas vezes tratei logo de catar o livro para mim antes que algum outro caçador de relíquias (apesar de ser difícil encontrá-los em shoppings) surgisse do nada e disputasse essa comigo. Por estar plastificado e ter ainda um compromisso a cumprir com a criança, só pude examinar seu conteúdo mais detalhadamente mais tarde quando cheguei em casa. 

Para minha surpresa maior ainda trata-se de uns manuscritos de contos escritos por Charlotte bem antes da publicação de Jane Eyre, datados de sua adolescência. Mas se engana quem pensa que a surpresa para por aí. Tais manuscritos foram encontrados dentro de um livro antigo (The remains of Henry Kirke White, de um jovem poeta falecido aos 21 anos) que pertenceu à mãe das irmãs Bronte (Maria Branwell) entre 1810 até sua morte em 1821 e que após o falecimento precoce de toda a família entre os anos de 1825 e 1861, saiu de Haworth, na Inglaterra (residência dos Bronte), em 1869 para circular pelos Estados Unidos por quase 150 anos (!) nas mãos de diversos colecionadores até voltar em definitivo para o Bronte Personage Museum em 2016.

O Bronte Personage Museum administrado pela Sociedade Bronte (organização mundial fundada em 1893) é um museu criado em Haworth para preservar a história da família Bronte, onde estão reunidos objetos pessoais, móveis e manuscritos pertencentes a eles. A Sociedade além de preservar a memória da família de autoras famosas da Literatura Universal, oferece bolsas de estudos para a compreensão de suas vidas e obras, um programa de artes contemporâneas, explorando suas ligações com a literatura "e encontrando novas formas de analisar e trabalhar a coleção". 

E as curiosidades do livro não param por aí! Ao adquirir a obra do jovem poeta lá em 1810, Maria a levou para casa e a guardou em segurança até que em 1812 com a morte de seu pai em Penzance, na Cornualha, a decisão de passar a residir com uma tia em Yorkshire e mais o casamento relâmpago com Patrick Bronte a levaram a pedir que fossem despachados todo o resto de seus pertences em um baú por um navio que deveria chegar são e salvo em seu destino. Entretanto, não foi bem o que aconteceu. Em algum momento da viagem o navio sofreu um quase naufrágio e os pertences de Maria foram praticamente todos destruídos, restando apenas o livro e poucos outros objetos para que pudesse começar sua vida matrimonial com o Reverendo Patrick. 

Logo, o livro passou a ter um grande valor sentimental para ela e posteriormente para Patrick e os filhos, que passaram a fazer inúmeras anotações, dedicatórias, marcações e desenhos em suas páginas. Mas o que continua sendo um grande mistério é como os manuscritos da jovem Charlotte foram parar no meio do livro, visto que não fora seu pai que os colocara ali e tendo passado por inúmeras mãos de colecionadores por tantos anos desde o primeiro leilão realizado em 1861, após a morte de Patrick. É um mistério que os estudiosos da obra das irmãs Bronte ainda tentam descobrir. 

E, como se vê, o livro pertencente à Maria Branwell sobreviveu a uma verdadeira epopeia para chegar são e salvo até os nossos dias. 

P.S: Para quem quiser mais informações sobre a Sociedade e o Bronte Museum, basta acessar os seguintes sites:

 1) www.bronte.org.uk/support-us 

2) www.bronte.org.uk/bronte-shop


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

DINSDALE, A. & others. Os manuscritos perdidos de Charlotte Bronte. Trad. Thereza Christina Rocque da Motta. 1 ed. São Paulo: Faro Editorial, 2019.  

A VÊNUS DAS PELES E O SURGIMENTO DO SADOMASOQUISMO





"Açoita-me, pois se isso te satisfaz. Açoita-me, eu imploro, causa-me este prazer". (A Vênus das peles)

Leopold Von Sacher-Masoch foi um escritor nascido na Polônia em 1836, mas que se considerava alemão. Alimentando o sonho de se tornar um escritor famoso e reconhecido, projetou a publicação de um conjunto de livros chamado O legado de Caim, retratando aspectos da condição humana, tema este que viria a ser a essência de sua produção literária.

Fazendo parte do primeiro volume, A Vênus das peles, é uma novela escrita em 1870, obra que imortalizou Sacher-Masoch por abordar o tema do prazer  sexual obtido através do sofrimento, mais conhecido pelo termo (sado) masoquismo,  tirado do nome do próprio autor pelo psiquiatra austríaco Richard von Krafft-Ebing, que em 1886 publicava um tratado psicológico arrolando as principais práticas sexuais que fogem da normalidade.

Outro autor que teve seu nome usado para batizar perversões sexuais foi o Marquês de Sade, com o termo sadismo para se referir à prática sexual em que um parceiro sente prazer ao provocar dor no outro. 

Inspirado na própria vida do autor, a narrativa trata do peculiar relacionamento amoroso calcado na dominação e submissão entre Severin e Wanda von Dunajew, no qual as partes celebram um contrato em que ele será totalmente submisso a ela, sendo, portanto, seu escravo sexual, dando-lhe poderes para controlá-lo e aplicar-lhe sofrimentos e castigos da maneira que bem entender, mas em troca, Wanda deveria por vezes vestir somente uma pele de animal sobre o corpo e fingir ser a deusa Vênus do amor. 

De início, Wanda sente-se um pouco constrangida, mas com o passar do tempo acaba gostando da posição de dominadora na relação e, assim, cumpre com requintado prazer os perversos desejos de Severin:

[...] A senhora sabe que sou um "ultra-sensual", que em mim tudo remete ao imaginário, e é no sonho alimentado. Cedo amadureci e fui altamente estimulado, ao ter em mãos, aos dez anos de idade, as lendas dos mártires. Recordo-me de ter lido horrorizado, ainda que com verdadeiro prazer, como feneciam nas prisões, ou eram colocados em espetos, transpassados de flechas, fervidos em pez, lançados às feras, ou então como padeciam na cruz, e de como a tudo isso padeciam com uma espécie de alegria. Sofrer, suportar cruéis tormentos apareceram-me como prazer, tanto mais se infligidos por uma bela mulher, que para mim desde sempre concentrou toda a poesia, como tudo o que há de demoníaco. A ela rendi formal e cerimonioso culto. (MASOCH, p. 62, 2008)

E por tomar tanto gosto pela coisa, Wanda terminará por proporcionar ainda mais prazeres inimagináveis e inesperados para Severin, o que lhe deixará surpreso e assustado, fazendo com que a história tome um rumo diferente do que ele imaginou. 

BIBLIOGRAFIA:

MASOCH, S. A Vênus das peles. Trad. Saulo Krieger. 1 ed. São Paulo: Hedra, 2008.


O DE PROFUNDIS OU AS PROFUNDEZAS DE OSCAR WILDE



     


Oscar Wilde foi dono de uma personalidade bastante controversa. Após um casamento desfeito e uma série de envolvimentos sexuais com rapazes mais jovens na conservadora Londres do século XIX, em especial com o playboy da época Alfred Douglas, por quem se apaixonaria perdidamente a ponto de cometer diversas extravagâncias e indiscrições em público, o escritor foi acusado de sodomia pelo pai do rapaz e levado a julgamento em abril de 1895. 

Tendo recebido o veredito de culpado, acabou por ser preso e condenado a dois anos de trabalhos forçados em 25 de maio de 1895. Inicialmente enviado para a prisão de Wandsworth, Wilde julgava-se incapaz de suportar tamanho sofrimento. 

Algum tempo depois foi transferido para o Cárcere de Reading, onde já no final da estadia na prisão, escreveu uma longa carta chamada De profundis endereçada ao ex-amante Bosie (codinome de Alfred Douglas nas altas rodas londrinas), somente publicada após sua morte em 1905 pelo amigo Robert Ross

Escrita em oitenta páginas em papel azul, Wilde não chegou a revisar a versão final, uma vez que a direção do presídio lhe fornecia uma folha de cada vez, sendo substituída por outra assim que preenchida. Seu desejo era de que o manuscrito fosse enviado para Robert Ross, juntamente com uma carta com instruções sobre o que fazer, porém o rígido regulamento da Presídio não permitiu que seu manuscrito saísse dos portões para fora e, por isso, somente a carta chegou às mãos de Robert

Entretanto, na manhã de 19 de maio de 1897, quando Wilde foi finalmente libertado de seu cárcere, o diretor permitiu entregar a ele seu manuscrito, o qual foi entregue em mãos para Robert Ross, num último encontro entre os dois antes do dândi deixar a Inglaterra rumo à França. Assim, uma cópia foi feita seguindo as instruções de Wilde. E, apesar, de ser endereçada a Bosie, este recebeu apenas uma cópia datilografada, pois Ross temia que ele a destruísse, o que acabou acontecendo mais tarde, acreditando ser aquela a única cópia existente a fim de evitar uma situação embaraçosa para si. 

Após o rompimento com Ross anos mais tarde, em 1909, Bosie descobriu que existia um manuscrito original em posse daquele e pediu que lhe fosse entregue, uma vez que havia sido endereçado a ele, pois pretendia lucrar com a venda do documento, como já fizera antes com outras missivas de Wilde. Porém, Ross lacrou o manuscrito e o doou para o Museu Britânico com a condição de permanecer assim por sessenta anos. 

Em 1912, Douglas se aborreceu com alguns trechos de um estudo feito por Arthur Ramsone sobre Wilde e entrou com uma ação na justiça contra Ramsone com o intuito de também prejudicar Ross através da leitura da carta de Wilde tida como prova principal e endereçada a ele. Julgado em 1913, o caso foi favorável a Ramsone e a epístola voltou para o Museu. 

Uma vez que a defesa se baseava na carta de Wilde, Bosie receberia uma cópia dela, anunciando logo em seguida que a publicaria na América (já que não podia publicá-la na Inglaterra), incluindo seus próprios comentários. Ross então, enviou a carta para Nova York a fim de imprimir dezesseis cópias para garantir os direitos de publicação na América e impedir Douglas de conseguir seu objetivo. O livro ficou pronto em dez dias e dos dezesseis exemplares, quinze foram remetidos para a Inglaterra para distribuição entre amigos de Wilde e bibliotecas. O último exemplar foi colocado à venda na sala de exposições do editor, seguindo a lei americana que rege o copyright, tendo seu preço fixado em cinco mil dólares, o qual não demorou a ser arrematado por um comprador anônimo. 

A cópia original voltou à Inglaterra e com a morte de Ross em 1918, foi parar nas mãos do filho de Wilde (Vyvyan Holland), tendo o manuscrito original permanecido no Museu Britânico provavelmente até os dias de hoje, uma vez que as autoridades jamais permitiram o acesso a ele. Finalmente, em 1936 sugeriu-se que era a hora de publicar a carta na íntegra, obtendo-se a permissão de Douglas, que a retirou logo depois quando as negociações já estavam bastante adiantadas. Somente após sua morte em 1945 é que finalmente foi possível a publicação da obra na Inglaterra. 

Nesta missiva Wilde relata toda a sua mágoa e decepção com a conduta do rapaz, tecendo pesadas acusações ao seu caráter, além de fazer uma profunda reflexão sobre sua trajetória, como é possível perceber no excerto abaixo:

Os deuses tinham me oferecido quase tudo. Tinha conhecimento, um nome reconhecido, uma posição social elevada, brilho, coragem intelectual; tinha feito da arte uma filosofia e da filosofia uma arte; tinha alterado a mente dos homens e a cor das coisas; não havia nada que eu dissesse ou fizesse que não levasse as pessoas a interrogarem-se; peguei na tragédia, a mais objetiva forma conhecida em arte, e tornei-a um modo de expressão tão pessoal como a lírica ou o soneto, ao mesmo tempo que alargava o teu âmbito e enriquecia a tua caracterização: drama, novela, poema rimado, poema em prosa, diálogo sutil ou fantástico, tudo aquilo em que tocasse tornava-o belo, com uma nova forma de beleza; dei à própria verdade, como tua província de direito, aquilo que é falso, não menos do que aquilo que é verdadeiro, e mostrei que o falso e o verdadeiro nada mais são do que formas de existência intelectual. Tratei a Arte como a realidade suprema, e a vida como um mero modo de ficção; despertei a imaginação do meu século de tal modo que ela criou mitos e lendas à minha volta; resumi todos os sistemas numa frase, e toda a existência num epigrama. 

Ao lado de tudo isso, tinha coisas diferentes. Deixei-me atrair para extensos períodos de facilidade sensual e sem sentido. Diverti-me a ser um flâneur, um orgulhoso, um homem da moda. Rodeei-me das naturezas menores e das mentes mais baixas. Tornei-me o dissipador do meu próprio gênio, e desperdiçar uma juventude eterna dava-me um curioso contentamento. Cansado de estar nas alturas, desci deliberadamente até o nível mais baixo, à procura de novas sensações. O que a contradição era para mim na esfera do pensamento, tornou-se para mim a perversidade na esfera da paixão. Por fim, o desejo era uma doença, ou uma loucura, ou ambas. Tornei-me descuidado em relação à vida dos outros. Retirava prazer daquilo que me agradava, e continuava. Esqueci-me de que todas as pequenas ações do dia a dia constroem ou destroem uma personalidade, e que, deste modo, aquilo que se fez no segredo do quarto, terá um dia de ser dito em voz alta no topo dos edifícios. Deixei de ser Senhor de mim. Já não era o Comandante da minha alma, e não o sabia. Permiti que tu me dominasses e que o teu pai me assustasse. Terminei em horrível desgraça. Agora só há uma coisa para mim, nesta altura, a absoluta Humildade; tal como agora só há uma coisa para ti, também a a absoluta Humildade. Teria sido melhor que descesses até o pó e aprendesses as coisas a meu lado.

Há quase dois anos estou na prisão. A minha natureza produziu em mim um desespero selvagem; um abandono à dor que fazia pena ver; uma raiva terrível e impotente; amargura e desprezo; angústia que chorava alto; miséria que não encontrava voz, mágoa que era muda. Passei por todos os estados possíveis do sofrimento. Sei melhor do que o próprio Wordsworth o que Wordsworth queria dizer quando escreveu: O sofrimento é permanente, obscuro, e negro. E tem a natureza do Infinito. (WILDE, p. 70-71, 2003)

Exilando-se em Berneval, uma pequena vila pesqueira na costa da França sob o nome de Sebastian Melmoth, após sua libertação, Wilde caiu em ostracismo para o resto de seus dias. Chegou mesmo a reatar o relacionamento com Bosie por três meses, quando viveram juntos em Posillipo. Porém, devido à embriaguez constante e aos maus hábitos, seu círculo de amigos diminuía cada vez mais, até que em 30 de novembro de 1900, o escritor e dramaturgo morreu solitariamente num pequeno e imundo quarto de hotel em Paris, onde passara a morar. 

Uma leitura dolorosa e angustiante daquele que foi por algum tempo o centro das atenções da sociedade londrina de sua época e fez de sua obra um marco na Literatura Universal. 


BIBLIOGRAFIA:

WILDE, O. De profundis/Balada do cárcere de Reading. Trad. Jean Melville. 1 ed. São Paulo: Martin Claret, 2003. 

WILDE, O. De profundis e outros escritos do cárcere. Trad. Júlia Tettamanzi; Maria Angela Saldanha Vieira de Aguiar. 2 ed. Porto Alegre: L&PM, 2011. 

                                                                                                        

A PRESENÇA DO ELEMENTO GÓTICO EM O MORRO DOS VENTOS UIVANTES (DE EMILY BRONTE) - PARTE III




À PROCURA DO ELEMENTO GÓTICO

Para Pauline Nestor na introdução da edição de 2021 de Wuthering Heights, da Companhia das Letras: 

Tal como o romance gótico, o livro de Emily Brontë concebe um mundo obscuro e apaixonado de prisão e tortura, fantasmas e crianças trocadas. Por sua vez, tal como as obras do Romantismo, há nele a autoridade da imaginação e da emoção, uma preocupação pela influência formativa da infância e pela relação do homem com o mundo natural. O seu enfoque é “antissocial”, em vez de comunal ou ético, e o seu personagem central, Heathcliff, é uma versão do herói de Byron.

Assim, pode-se dizer que Wuthering Heights é uma obra que apresenta alguns desses elementos góticos citados anteriormente, principalmente no que se refere à atmosfera e ambientação do romance, à construção psicológica dos personagens, ao uso do imaginário sobrenatural e a presença de aspectos religiosos.

 

No que se refere à questão dos personagens, Heathcliff é retratado no romance como um personagem melancólico, sombrio, amargurado, vingativo, apaixonado e atormentado, sentimentos que quase beiram à loucura, sendo considerado uma espécie de arquétipo do herói byroniano, que cultiva suas paixões de forma tão intensa e profunda que por vezes destrói a si próprio e as pessoas ao seu redor.

 

Sua própria aparência descrita como cigano, de pele escura, com olhos e cabelos escuros e de origem desconhecida associada ao seu temperamento sombrio o tornam um modelo de elemento gótico e que chega para perturbar a atmosfera do lugar, bem como seus habitantes, como atesta essa passagem da narrativa, na qual o Sr. Earnshaw o apresenta à família após encontrá-lo perdido nas ruas de Liverpool: ─ “Veja só, mulher! Nunca vi coisa igual; mas você tem de encará-lo como uma dádiva do Senhor, embora seja tão escuro que mais pareça vir do Diabo”. (BRONTE, 1987, p. 52)

 

Além disso, Heathcliff é em algumas passagens do romance comparado a um demônio pelas outras personagens, como Hindley, Isabella e Nelly Dean devido à sua aparência e suas constantes mudanças de comportamento no decorrer da narrativa, como se vê neste excerto, durante uma tentativa de Hindley de matar Heathcliff, buscando o apoio de Isabella:

“A traição e a violência são uma paga perfeita para a traição e a violência!”, gritou Hindley. ‘Isabella, não lhe peço que faça nada; apenas que fique quieta e calada. Será que você pode fazer isso? Tenho a certeza de que você teria tanto prazer quanto eu em assistir ao fim da existência desse demônio: ele será a sua morte, se você não fizer alguma coisa; e será a minha ruína. Maldito seja o vilão! Bate na porta como se já fosse o dono da casa! Prometa-me calar a boca e, antes de o relógio marcar uma hora... faltam três minutos apenas... você será uma mulher livre!’ (BRONTE, 1987, p. 198-199)

Em outra passagem, Nelly Dean, ao levar o jantar para Heathcliff o encontra encostado ao batente da janela sem se mexer e ao tocar-lhe a fim de contemplar seu rosto, descreve a seguinte impressão para Mr. Lockwood:

A luz da vela bateu-lhe no rosto. Sr. Lockwood, não posso exprimir o susto que levei! Aqueles olhos fundos e negros! O sorriso, a palidez mortal! Não me parecia o Sr. Heathcliff, e sim um demônio; e no meu terror, deixei a vela inclinar-se para a parede e ficamos no escuro. (BRONTE, 1987, p. 362)

Mais tarde levada pelo elemento supersticioso, ela mesma se pergunta se Heathcliff é um vampiro, pois lera sobre casos demoníacos de vampirismo, cogitando “de onde viera ele, de onde viera aquele menino escuro, trazido por um bom homem para o seu lar?” (BRONTE, 1987, p. 363) numa espécie de sonho em que passa em revista a existência de Heathcliff e prevê sua morte.

 

Noutra passagem, é o próprio Heathcliff que sê vê como um demônio, quando afirma que Nelly Dean o julga como um e ao comentar com Cathy que aos olhos dela, ele se transformou “em algo pior do que o Diabo.” (BRONTE, 1987, p. 367). Já no final do romance, ao ver Heathcliff morto, o empregado Joseph também o considera um discípulo do Demo, conforme demonstram suas palavras:

 

─ O Demo carregou a alma dele! ─ falou. ─ Pode levar também a carcaça! Credo! Até da morte ele caçoa! ─ e o velho pecador fez uma cara de troça. De repente, porém, recobrando a compostura, ajoelhou-se, ergueu as mãos ao céu e deu graças por ficar Hareton, o legítimo dono, novamente na posse de seus direitos. (BRONTE, 1987, p. 368)

No entanto, tal como Heathcliff, outras personagens como Hindley, Hareton, Linton e Joseph também apresentam traços desse comportamento arredio, rude, perturbado e taciturno, corroborando para e atmosfera lúgubre e soturna do romance. Catherine apresenta um comportamento mais impetuoso, difícil, mimado, caprichoso e intempestivo, capaz de fortes emoções, o que culmina com seu estado de nervos à flor da pele e seu ânimo sempre perturbado pela presença e o amor que Heathcliff lhe inspira.

 

Pode-se dizer que os personagens mais centrados nessa atmosfera de perturbação e loucura onde se desenrolam os acontecimentos da narrativa são Edgar Linton, que a tudo enfrenta com serenidade, paciência e bom senso, e Nelly Dean, que apesar de participar de alguns fatos consegue ser firme e racional, sem se deixar abater pelas intensas situações que vivencia.

 

No que se refere à ambientação do romance, o próprio Mr. Lockwood já nos dá uma pista no início da narrativa, quando diz que “em toda a Inglaterra, acho que não poderia ter encontrado um lugar tão completamente afastado da sociedade humana”. (BRONTE, 1987, p. 19)

 

E mais tarde, quando reclama de seu estado de saúde devido a um resfriado que o obrigara a passar semanas na cama: “Oh, estes ventos cortantes, estes céus fechados; estas estradas intransitáveis, [...] esta ausência de rostos humanos!” (BRONTE, 1987, p. 109)

Além disso, todo esse tumulto sentimental vivido pelos personagens parece transparecer na descrição climática e atmosférica do lugar, da paisagem e das charnecas que ligam Wuthering Heights à Granja Thrushcross, com ventos frios e chuvas fortes e cortantes, como demonstra o seguinte trecho:

Cerca de meia-noite [...] a tempestade caiu com toda a fúria sobre o Morro. Um vento furioso acompanhava a trovoada, derrubando uma árvore a um canto da casa; um enorme galho se abateu sobre o telhado e derrubou uma parte do cano da chaminé de lesta, jogando um monte de pedras e fuligem na lareira da cozinha. (BRONTE, 1987, p. 102)

E, segundo nos conta ainda Mr. Lockwood acerca da origem do nome Wuthering Heights: "A propriedade do Sr. Heathcliff chama-se, adequadamente, Wuthering Heigths, sendo wuthering um significativo adjetivo provinciano para designar o tumulto atmosférico ao qual ela está sujeita em tempo tempestuoso" (BRONTE, 1987, p. 20). Portanto, nada mais apropriado para o contexto no qual se desenrola o conflito da narrativa.

Finalmente, o uso do imaginário sobrenatural, em que se destacam sonhos, devaneios, alucinações e contatos sobrenaturais das personagens com os mortos aparece em vários excertos da narrativa. Nesta passagem, logo no início, no capítulo 3, após a morte de Catherine Earnshaw/Linton, Mr. Lockwood vendo-se obrigado a pernoitar em Wuthering Heights no quarto de criança da morta devido a uma nevasca muito forte, narra um contato sobrenatural com ela:

O peitoril, onde coloquei a vela, tinha, empilhados a um canto, alguns livros embolorados, e a sua pintura estava coberta de escritos, que, examinados de perto, mostravam ser apenas um nome, repetido em todos os tipos de letras, grandes e pequenas: Catherine Earnshaw, aqui e ali alterado para Catherine Heathcliff, e depois para Catherine Linton.

Entopercido, apoiei a cabeça no peitoril e continuei a soletrar Catherine Earnshaw... Heathcliff... Linton, até que os meus olhos se fecharam; mas eles não tinham descansado nem cinco minutos, quando um brilho de letras brancas surgiu do escuro, como espectros, enchendo o ar de Catherines. Abrindo os olhos para dissipar aquele nome, vi que o pavio da vela se encostava num dos volumes embolorados e perfumava o aposento com um cheiro de couro queimado. Soprei o pavio, e, sob a dupla influência do frio e da náusea, sentei-me e abri o volume queimado contra o joelho. [...] Aquilo despertou imediatamente, em mim, um interesse por aquela desconhecida Catherine, e pus-me a tentar decifrar os seus desbotados hieróglifos.

[...] lembrava-me de que estava deitado no compartimento de carvalho e ouvia distintamente a ventania e o bater da neve contra o telhado; ouvia, também, o galho do pinheiro roçar contra a vidraça e sabia o que provocava aquele barulho impertinente; mas a tal ele me incomodava, que resolvi silenciá-lo. Levantei-me e tentei abrir a janela. A lingueta estava soldada, fato que eu observara quando acordado, mas que esquecera. ─ Tenho de acabar com esse barulho, seja como for! ─ murmurei, partindo a vidraça com o punho e esticando um braço para agarrar o importuno galho. Em vez disso, porém, os meus dedos pegaram uma mão pequenina e gelada! O intenso horror do pesadelo tomou conta de mim: tentei retirar a mão, mas a mãozinha agarrou-se ainda mais a ela e uma vozinha melancólica soluçou: ─ Deixe-me entrar... deixe-me entrar! ─ Quem é você? ─ perguntei, enquanto lutava por me libertar. ─ Catherine Linton ─ respondeu a voz, como se tremesse de frio (por que razão fui pensar em Linton? Tinha lido o nome Earnshaw vinte vezes mais do que Linton). ─ Voltei. Perdi-me na charneca! ─ Enquanto ela falava, distingui, na escuridão, um rosto de criança olhando através da janela. O terror tornou-me cruel; e, vendo que era inútil livrar-me da criatura, puxei-lhe o pulso através da vidraça partida, para a frente e para trás, até que o sangue escorreu e encharcou a roupa de cama. Mesmo assim, a voz continuou a gemer: ─ Deixe-me entrar! ─ e a manter a mão agarrada à minha, quase me enlouquecendo de pavor. ─ Como é que eu posso? ─ consegui, por fim, dizer. ─ Solte-me, para que eu a possa deixar entrar! ─ Os dedos relaxaram um pouco a sua pressão. Recolhi depressa a minha mão através do buraco, empilhei os livros numa pirâmide, a fim de tapá-lo, e levei as mãos aos ouvidos, para não ouvir o lamentoso pedido. Acho que os conservei fechados mais de um quarto de hora; mas, logo que os destapei, ouvi de novo o triste gemido. ─ Fora! ─ gritei. ─ Nunca deixarei você entrar, nem que fique aí pedindo durante vinte anos! ─ Faz mesmo vinte anos ─ gemeu a voz ─, vinte anos. Há vinte anos que ando perdida! ─ Ouvi arranhar levemente a vidraça, e a pilha de livros começou a se mexer, como se alguém a empurrasse. Tentei levantar-me, mas não consegui mover-me... e então soltei um grito, no auge do pavor. Langit

Após o episódio, Heathcliff pede ao inquilino que saia do quarto (pois era como um santuário para ele) e, demonstrando algo como uma superstição desesperada e sofredora, tem uma espécie de delírio com Catherine, pois:

Subiu na cama e abriu a gelosia, explodindo, ao fazê-lo numa incontrolável torrente de lágrimas. ─ Entre! Entre! ─ soluçou. ─ Cathy, entre. Oh, venha... venha... uma vez mais! Oh, minha adorada! Escute-me agora, Catherine, finalmente! ─ O espectro mostrou um capricho bem digno dos espectros: não deu sinais de vida; mas a neve e o vento entraram à vontade, chegando até onde eu estava e apagando a luz. (BRONTE, 1987, p. 44)

No momento em que toma conhecimento da morte da amada é possível perceber que Heathcliff sente um estranho prazer em puni-la por ter escolhido Edgar, demonstrando todo o seu sofrimento e desespero por tê-la perdido:

─ Oxalá tenha um despertar tormentoso! ─ exclamou ele, numa voz terrível, batendo com o pé e rosnando num acesso de descontrolada paixão. ─ Ela mentiu até o fim! Onde está ela? Não está lá... não está no céu... não morreu... onde é que ela está? Oh, você disse que não se importava com os meus sofrimentos! Pois bem, vou rezar. Vou rezar até não ter mais fôlego, para que você, Catherine Earnshaw, não possa ter descanso enquanto eu esteja vivo! Você disse que eu a tinha matado... Pois bem, assombre-me! As vítimas costumam assombrar os seus algozes. Sei de fantasmas que erraram de verdade pela terra. Persiga-me, assuma a forma que quiser, enlouqueça-me até! Mas não me deixe neste abismo, onde eu não posso encontrá-la! Oh, meu Deus, é impossível! Eu não posso viver sem a minha vida! Eu não posso viver sem a minha alma!

Bateu com a cabeça contra o tronco nodoso; e, erguendo os olhos, uivou, não como uma criatura humana, e sim como um animal selvagem espetado até a morte com facas e lanças. Vi vários salpicos de sangue no tronco da árvore e notei que ele tinha a mão e a testa ensanguentadas; provavelmente passara a noite naquele desespero. (BRONTE, 1987, p. 190)

Mais ao final da narrativa e cada vez mais sem conseguir conviver com a dor e o sofrimento experimentados pela morte da amada, Heathcliff passa suas noites fora de casa, fazendo diversas visitas ao cemitério a fim de buscar um contato com a morta. Nelly Dean percebendo alterações um tanto assustadoras no comportamento dele, em determinado momento o chama de perverso e ele lhe explica o que fez:

[...] No dia em que ela foi enterrada, caiu uma nevada. À noite, fui até o cemitério. Soprava um vento desolado, como se fosse inverno... tudo em volta estava solitário. [...] Sozinho e sabendo que a única barreira entre nós eram dois metros de terra solta, disse comigo mesmo: “Hei de apertá-la novamente nos braços! Se ela estiver fria, pensarei que é este vento do norte que me gela; e, se ela estiver imóvel, que está dormindo”. Apanhei uma pá na casa de ferramentas e comecei a cavar com todas as minhas forças, até bater no caixão; estalava nas dobradiças; eu estava quase alcançando o meu objetivo, quando me pareceu ouvir um suspiro de alguém que estivesse à beira da cova e debruçado sobre ela. “Se eu pudesse tirar isto para fora!”, murmurei. “Gostaria que nos cobrissem de terra, a nós dois!” E tentei mais desesperadamente ainda abrir o caixão. [...] (BRONTE, 1987, p. 319)

Ou seja, numa imensa demonstração de desespero, tentou profanar a sepultura da morta como se quisesse trazê-la de volta à vida. Assim, Heathcliff após desistir da vingança contra os sobrinhos Hareton e Cathy, que acabam por se acertar e ficar juntos, termina por se deixar morrer de fome e frio trancado em seu quarto, deixando a janela aberta em meio à chuva que caía em Wuthering Heights a fim de tornar-se ele também um fantasma, já que de acordo com suas palavras: “Acredito piamente em fantasmas: estou convencido de que eles podem existir... e existem... entre nós!” (BRONTE, 1987, p. 318)

 

Após partir em busca de seu destino, Nelly Dean narra relatos de visões fantasmagóricas e espectrais de Heathcliff e Catherine pela vizinhança, os amantes que se encontraram somente depois da morte, conforme atesta esta última passagem do romance:

 

Foi sepultado, para escândalo de toda a região, segundo o seu desejo. Eu e Earnshaw, o coveiro e seis gatos-pingados -- eis o acompanhamento. Os seis gatos-pingados foram embora assim que puseram o caixão na sepultura; nós ficamos para vê-lo ser coberto. Com o rosto lavado em lágrimas, Hareton arrancou tufos de grama verde e colocou-os sobre a terra: atualmente, a sepultura está tão verdejante quanto a da companheira ─e espero que o seu ocupante tenha um sono igualmente sossegado. Mas a gente do campo, quando se lhes pergunta, jura pela Bíblia que o vê caminhar: há quem diga que o enxergou perto da igreja, na charneca e até mesmo nesta casa. Histórias, dirá o senhor, e eu também. Contudo, aquele velho sentado diante do fogo afirma que vê os dois, olhando pela janela do quarto dele, todas as noites de chuva, desde que o patrão morreu ─ e uma coisa estranha aconteceu-me, há cerca de um mês. Eu estava indo para a granja, uma noite -- uma noite escura, ameaçando trovoada ─, e, bem na encruzilhada que leva ao Morro, encontrei um rapazinho com um carneiro e duas ovelhas; chorava horrivelmente e eu supus que as ovelhas estivessem assustadiças e se recusassem a obedecer-lhe.

─ Que foi, meu homenzinho? ─ perguntei.

─ Heathcliff e uma mulher estão ali, perto do morro ─ gaguejou ele ─, e estou com medo de passar.

Nada vi; mas tanto as ovelhas quanto ele se negavam a passar, de modo que lhe disse para ir pela estrada de baixo. Provavelmente ele imaginara os fantasmas de tanto pensar, ao atravessar sozinho a charneca, nas bobagens que ouvira os pais e os colegas repetirem. Mas a verdade é que já não gosto de sair no escuro e nem de ficar sozinha neste casarão. (BRONTE, 1987, p. 368-369)

Como se vê, apesar de toda a rusticidade e os pretensos defeitos da obra de Emily Bronte, Wuthering Heights é um romance com muitos aspectos a ser explorados, não só em relação aos elementos góticos, mas em vários outros que se percebem no decorrer da leitura. É ler para descobrir esse presente deixado pela autora para nós leitores de todas as épocas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRONTE, E. O morro dos ventos uivantes. Trad. Vera Pedroso. 1 ed. São Paulo: Círculo do Livro, 1987.

BRONTE, E. O morro dos ventos uivantes. Trad. Julia Romeu. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. 11 ed. São Paulo: Cultrix, 2002.

NETO, F. de C. A.; MILTON, J. Literatura inglesa. Curitiba: IESDE, 2009.

_________________. Saiba o que é literatura gótica e seus principais representantes. Disponível em: <https://cursinhoparamedicina.com.br/blog/literatura/saiba-o-que-e-literatura-gotica-e-quais-sao-os-seus-principais representantes/> Acesso em 30/09/23.

 

 

A PRESENÇA DO ELEMENTO GÓTICO EM O MORRO DOS VENTOS UIVANTES (DE EMILY BRONTE) - PARTE II




HISTÓRIA DA LITERATURA GÓTICA

O termo "gótico" vem do latim gothicu e é um adjetivo referente à tribo dos godos, um povo de cultura germânica, habitante da região do rio Danúbio, que posteriormente se espalhou pela Europa. Mais tarde o termo passou a abranger e a se referir a outras áreas, como a arquitetura, as artes plásticas e a literatura.

Em literatura, surgiu no século XVIII na Inglaterra com a obra, O castelo de Otranto, de Horace Walpole (1764), o qual tinha como subtítulo a expressão "a gothic story". Com uma narrativa ambientada em um castelo medieval recheada de seres sobrenaturais e inusitados como: fantasmas, estátuas vivas e gigantes associados aos sentimentos de amor, angústia e terror, seu livro obteve imenso sucesso, tendo-se seguido mais de 150 edições após o lançamento.

 

Considerada uma vertente literária do Romantismo, a literatura gótica se volta mais para o mistério e o obscuro. Daí suas principais características: uso de cenários medievais; personagens melodramáticos; psicologia do terror, na qual se explora sentimentos como o medo e a loucura; uso do imaginário sobrenatural, no qual aparecem figuras fantasmagóricas, demônios, monstros e espectros; morte; satanismo; presença de aspectos religiosos; concepções estéticas e filosóficas, entre outras.

Assim: 

Quer-se crer que não se trata duma ficção menor, votada ao entretenimento do leitor, mas de romances, ou novelas, dotados de outro interesse, na medida em que os protagonistas, antes que meros fantoches, seriam autênticos casos psicológicos. Além disso, o gótico busca envolver o leitor, mantendo-o em suspense, alarmá-lo, chocá-lo, incitá-lo, provocando-lhe, em suma, uma resposta emocional. Portanto, "a marca distintiva da ficção gótica é a sua atmosfera e o uso que dela se faz" [...]: os vários expedientes cenográficos (castelos em ruínas, trevas, etc.) apenas colaborariam para formular a ambiência em que se pretende imergir o leitor. A atmosfera pode ser de terror ou de horror, conforme dependa do suspense ou medo, no primeiro caso, ou de o leitor ser atingido "frontalmente com acontecimentos que o chocam e o perturbam", no segundo. (MOISÉS, 2002, p. 261-262)

Nascidas como uma reação ao Racionalismo, as primeiras obras góticas buscavam uma forma de evitar a dor da solidão e do sofrimento através de um mundo não dominado pelo ser humano e da crença em seres extraordinários. Além disso, a Europa experimentava um grande desenvolvimento científico nessa época e, portanto, retornar às crenças antigas era uma maneira de se distanciar desse universo racional.

 

Alguns dos principais autores da literatura gótica universal são: Ann Radcliffe, Mathew Lewis, William Godwin, Charles Robert Maturin, Mary Shelley, Lord Byron, Charles Baudelaire, Edgar Allan Poe, além dos brasileiros Álvares de Azevedo, Alphonsus de Guimarães e Augusto dos Anjos.

Um dos grandes personagens da literatura gótica é o monstro Frankenstein, criado em 1820 por Mary Shelley na obra de mesmo nome. Outras obras publicadas com títulos semelhantes nessa mesma vertente são: Nightmare Abbey, de Thomas Love Peacock e Northanger Abbey, de Jane Austen (póstuma).

Mais tarde, em 1891 com a publicação de O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, houve um fortalecimento da estética gótica, surgindo as primeiras obras vampirescas, como Drácula, de Bram Stoker publicado em 1897, tendo sido adaptado várias vezes para o teatro e o cinema. Outra obra inserida nesta vertente é, Entrevista com o vampiro, de Anne Rice, publicada em 1973.

 

Por apresentarem intensa carga emocional, atmosfera sombria, personagens perturbadores, ambientes fantasmagóricos, entre outras, essas obras afrontavam os costumes e a cultura de suas épocas, sendo por isso, fortemente rejeitadas pelo público leitor. 

Entretanto, com o passar do tempo e a popularização das obras, esse quadro de rejeição mudou completamente, fazendo com que fossem adaptadas para o cinema.

 

 

A PRESENÇA DO ELEMENTO GÓTICO EM O MORRO DOS VENTOS UIVANTES (DE EMILY BRONTE) - PARTE I

 


BREVE INTRODUÇÃO

Whutering Heights, único romance da escritora britânica Emily Brönte, traduzido para o português como, O morro dos ventos uivantes foi publicado em 1847. Considerado um clássico da literatura inglesa recebeu inúmeras críticas, inclusive sobre sua construção narrativa. 

Nascida no condado de Yorkshire, Emily viveu isolada não só em seu círculo familiar, mas também das coisas do mundo, além de ter convivido sempre de perto com a morte (perdendo a mãe em 1821 e duas irmãs mais velhas em 1825), seus escritos refletem um pouco dessa atmosfera um tanto sobrenatural que a circundava.

 

Para os críticos da época era inconcebível que uma moça de temperamento introvertido, tímido e extremamente contido (sob o pseudônimo masculino de Ellis Bell), avessa às relações sociais e com pouquíssimo contato com as coisas do mundo e da vida compusesse uma obra tão completamente fora de seu universo. 

 

Tudo isso porque o enredo de Emily, cujo cenário é a própria região em que ela cresceu, foi considerado rústico demais e com personagens inverossímeis. A justificativa de acordo com sua irmã Charlotte Bronte em prefácio publicado em uma segunda edição da obra era de que os camponeses analfabetos e fidalgos não refinados daquelas paragens não poderiam externar paixões de forma tão intensa e brutal nem se utilizar de uma linguagem forte, devido às condições em que eram criados e os ensinamentos que recebiam num ambiente rude e de contenção de sentimentos.

 

Ainda segundo ela, “as bravias charnecas do norte da Inglaterra” e a “linguagem, as maneiras, as próprias moradas e os usos domésticos dos poucos habitantes dessas regiões” poderiam soar ininteligíveis e até mesmo repulsivos para os leitores, tornando-a uma obra exótica e estranha.

 

Mas é preciso deixar claro que Emily, bem como suas irmãs sobreviventes (além de Charlotte, Anne Bronte) sempre alimentaram o sonho de se tornarem escritoras, pois nutriam grande interesse por livros e literatura, incentivadas que foram pelo pai a estudar. Assim, elas “consumiam avidamente jornais e revistas, e estavam tão familiarizadas com as comédias mais picantes de Shakespeare e a poesia de Byron quanto com a leitura da Bíblia”, segundo Pauline Nestor na introdução da edição de 2021, da Companhia das Letras citada nas referências.

 

Com isso, após publicarem em conjunto um pequeno livro de poesias, elas se aventuraram pelo romance, cada uma escrevendo o seu. Charlotte produziu Jane Eyre; Anne escreveu, Agnes Grey e Emily criou o mais polêmico e exaltado dos três, O morro dos ventos uivantes. 

 

Trazendo uma narrativa centrada na atormentada, sombria e fantasmagórica história de amor e ódio de Heathcliff  e Catherine Earnshaw entre as propriedades de Wuthering Heights e a Granja Thrushcross, ela é contada em flashback através de um narrador-testemunha, na figura da bondosa e prestativa governanta Nelly Dean no ano de 1801, num tempo presente da narrativa ao novo inquilino da Granja, Mr. Lockwood, um forasteiro que chega para causar certa desordem no lugar.

 

Pode-se dizer que há dois narradores no enredo, uma vez que nos três primeiros capítulos é Mr. Lockwood quem nos conta como chegou à Granja Thrushcross, além de seu primeiro e único contato com Heathcliff.

 

A partir do capítulo 4 ao solicitar à Nelly Dean que fale mais sobre a história do lugar e a vida de seus habitantes, é a governanta quem assume a tarefa de relatar os fatos em torno do romance doentio e não concretizado de Heathcliff Catherine até o capítulo 31. No capítulo 32, agora no tempo presente, no ano de 1802, a narrativa volta momentaneamente para Mr. Lockwood, em passagem por Wuthering Heights a caminho de Gimmerton, uma localidade próxima, no qual cede a palavra para Nelly Dean outra vez para que esta lhe narre os últimos acontecimentos, encerrando-se a narrativa no capítulo 34.

 

No início do enredo, Heathcliff, um pequeno órfão, de cabelos pretos, sujo, esfarrapado, com aspecto cigano e de origem não revelada na história é trazido para Wuthering Heights após uma viagem de três dias empreendida pelo Sr. Earnshaw, alegando tê-lo encontrado faminto e abandonado pelas ruas de Liverpool, assim descrito pela governanta: “Era uma criança taciturna e paciente, talvez endurecida pelos maus-tratos”. (BRONTE, 1987, p. 54)

 

Entre diversos acontecimentos num enredo que parece dar um nó na cabeça do leitor, o garoto e Catherine, sua irmã adotiva logo se sentem afeiçoados um pelo outro, nascendo daí um amor desesperado, confuso e sombrio que nem a morte nem o tempo apagará. Assim, assemelhando-se às paisagens ermas, distantes, desoladas, amedrontadoras, gélidas, funestas e obscuras, onde assoviam ventos ora tristes e melancólicos, ora fortes e tempestuosos, as personagens também são descritas conforme o ambiente em que vivem: frias, perturbadas, sombrias, temperamentais, impetuosas, impulsivas, coléricas, teimosas, entre outras. 

E é nessa atmosfera que se desenvolve essa narrativa intensa, visceral e apaixonante, que nos desperta sentimentos contraditórios o tempo todo durante a leitura, na qual se destacam alguns elementos góticos, dos quais falaremos a seguir.


O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, DE ALDOUS HUXLEY




Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente. 
Jiddu Krishnamurti

Em Admirável mundo novo, romance da vertente das distopias, publicado em 1932, e que se passa na Londres do longínquo ano de 2540 (agora nem tão longínquo assim), Aldous Huxley faz uma reflexão sobre uma sociedade que seria a sociedade perfeita e estável. Mas como seria isso? Nesta sociedade visualizada pelo autor,  cada cidadão alcançaria uma vida plena de paz e harmonia através de elementos como: tecnologia reprodutiva, manipulação psicológica, hipnopedia (um tipo de manipulação psicológica pelo sono) e condicionamento clássico. 

De acordo com esse novo conceito de sociedade, não haveria mais sexo com o intuito de casamento e formação de famílias, pois os indivíduos nasceriam através de uma reprodução artificial em laboratório e seriam condicionados psicologicamente desde o nascimento para exercer determinada função na sociedade. Assim, seriam divididos em diferentes grupos para exercer diferentes funções dentro de uma sociedade considerada "ideal". 

Nesta sociedade "ideal" não haveria, portanto, espaço para tragédias, desequilíbrios e instabilidades, pois tudo funcionaria perfeitamente dentro de engrenagens detalhadamente planejadas, pois os indivíduos não seriam dotados de emoções e sentimentos de paixão, amor, piedade, solidariedade, sofrimento, tristeza, ódio, etc. Além disso, não seriam atacados pelas doenças nem teriam medo da velhice e da morte (permanecendo de certa maneira eternamente jovens) e também não seriam sobrecarregados e atormentados com tarefas e preocupações que uma família demanda. 

Outro benefício para o indivíduo seria a falta de acesso a estudos e conhecimentos adquiridos através de livros, pois eram considerados um meio e um instrumento de subversão, que fazia pensar. E pensar era algo desnecessário para a classe dominada, pois pensar significava liberdade, uma palavra que não existia para os líderes dessa sociedade. 

Apenas precisariam seguir determinadas regras de convivência e de comportamento para que a sociedade não saísse de controle e, caso, alguma coisa ameaçasse dar errado, existia o "soma", uma espécie de droga poderosa que colocava o indivíduo para dormir um sono profundo toda vez que sentisse que estava prestes a se desviar de seu caminho de alguma forma, voltando ao normal assim que acordasse. 

No excerto abaixo, um dos líderes, o Administrador Helmholtz, explica ao Sr. Selvagem, um indivíduo rebelado de uma outra localidade e que não fazia parte da vida "civilizada" de Londres, como funciona o seu mundo, a sua sociedade idealisticamente planejada para ser perfeita: 

--- Porque o nosso mundo não é o mesmo mundo de Otelo. Não se pode fazer um calhambeque sem aço, e não se pode fazer uma tragédia sem instabilidade social. O mundo agora é estável.  As pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que não podem ter. Sentem-se bem, estão em segurança; nunca adoecem; não têm medo da morte; vivem na ditosa ignorância da paixão e da velhice; não se acham sobrecarregadas de pais e mães; não têm esposas, nem filhos, nem amantes por quem possam sofrer emoções violentas; são condicionadas de tal modo que praticamente não podem deixar de se portar como devem. E, se por acaso, alguma coisa andar mal, há o soma. Que o Senhor atira pela janela em nome da liberdade, sr. Selvagem. Da liberdade!  (HUXLEY, 2014, p. 264)

Ao citar Otelo, de Shakespeare (que vê sua vida desequilibrada após Iago induzi-lo a ter ciúmes e desconfiar de um suposto adultério de Desdêmona com seu tenente, Cassio), o Administrador, assim como o Sr. Selvagem (que possuía grande conhecimento da obra do bardo inglês), demonstra conhecimento literário, ou seja, que já foi um desviado e que agora faz parte da sociedade civilizada. 

O interessante é que apesar de obviamente não ser o modelo ideal de uma sociedade livre e democrática, olhando o mundo totalmente desequilibrado em que vivemos hoje, com tanta guerra, matança, destruição, sede de poder e ganância, corrupção, doenças, fome, miséria, preconceito, disseminação de ódio, etc., é de se pensar se essa sociedade "ideal" imaginada por Huxley não seria a solução para salvar o que ainda resta de humano nos homens (se é que ainda resta alguma coisa). 

E, por mais, que ele estivesse prevendo algumas coisas sobre o hoje e, talvez, ironizando outras, o fato é que Huxley não estava de todo errado em suas visões. 


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

Huxley, Aldous. Admirável mundo novo. Trad. Lino Vallandro; Vidal de Oliveira. 22 ed. São Paulo: Globo, 2014. 

AS CARTAS DE KAFKA PARA FELICE BAUER


Neste livro, Elias Canetti faz um estudo da obra kafquiana através da compilação da correspondência que o escritor mantinha com Felice, uma de suas noivas, com quem não chegou a se casar. Estas cartas revelam os múltiplos conflitos interiores de Kafka: suas inseguranças, medos, complexos, a difícil relação com o pai, a hipocondria, o gosto pela solidão, a obsessão em relação à sua aparência física, entre outros. Pode-se dizer que são verdadeiros espelhos da alma humana. 

Ao mergulhar no universo particular de Kafka temos a impressão de que estamos diante de um indivíduo enredado em um complexo de inferioridade devastador, que se estende por todos os lados na solidão de um quarto escuro e fechado, lutando contra todos os seus fantasmas e tendo como uma das poucas válvulas de escape as cartas remetidas à então noiva, nas quais expõe todos os seus conflitos anímicos.

Kafka se revela completamente obcecado pela constatação de sua falta de atributos físicos, pois segundo ele mesmo: "sou a pessoa mais magra que conheço". Isto o incomodava de tal forma, que se sentia inapto para exercer qualquer tipo de atividade, seja em termos de lazer ou profissionalmente frente à grande força física de seu pai, pela qual sentia indisfarçável inveja. 

Em Carta a meu pai, o escritor discorre sobre a tumultuada relação que mantinha com seu pai, visto que segundo ele, seu tipo físico e psicológico não o agradava, pois era um homem forte fisicamente e empreendedor, com grande capacidade para a liderança e o autoritarismo. Kafka nem de longe possuía uma ou outra dessas características em comum com a figura paterna. Ao contrário. Kafka era franzino, de constituição física fraca, taciturno, hermético e sensível, como ele mesmo explica neste trecho:

Compara-nos a ambos: eu sou, para dizê-lo em breves palavras, um Löwy com certo fundo kafquiano, a quem, contudo, não impele essa vontade tipicamente kafquiana de viver, comerciar e conquistar, porém um aguilhão löwitico, que age em outra direção, mais escondido, mais tímido e que com freqüência se interrompe completamente. Tu, em troca, és um verdadeiro Kafka, em força, saúde, apetite, potência de voz, talento oratório, auto-satisfação, superioridade mundana, perseverança, presença de espírito, experiência e certa amplitude de vistas, claro que com os defeitos e as fraquezas que correspondem a todas estas virtudes e aos quais te levam teu temperamento e por vezes teu mau gênio. (KAFKA,  p. 79, 2003)

Seu pai via nisso sinais de desvios de personalidade, por vezes acusando-o de homossexualismo, pois considerava um comportamento inadequado para um homem e por isso, o humilhava constantemente diante de todos, exaltando e criticando seus pontos mais vulneráveis. Para a personalidade introvertida do escritor isso soava como rejeição paterna e exposição de sua figura ao ridículo, o que contribuía ainda mais para o desenvolvimento de um complexo crescente de inferioridade e hipocondria em relação à sua magreza.

Kafka foi ao longo de sua vida seguidamente ridicularizado e desencorajado pelo pai em todos os projetos que se propunha a realizar, inclusive em seus planos de casamento. Seu pai fazia questão de ressaltar sua incapacidade de levar adiante seus projetos, demonstrando uma espécie de prazer mórbido em destruir os sonhos do rapaz e ferir ainda mais a sua já escassa autoestima. Nas epístolas compiladas por Canetti, percebemos em Kafka a necessidade de transmitir para outros a responsabilidade de tomar decisões, que deveriam partir dele. O escritor revelando um lado manipulador incita a noiva a se posicionar contra ele a fim de que com esta atitude o encoraje a realizar seus projetos. Mas mesmo assim Kafka não consegue ir até o fim, permanecendo num eterno movimento de vai-e-vem, de avanço e recuo. Há algo em Kafka muito profundo que o impede de continuar firme no seu propósito de casamento com Felice após cinco anos de um relacionamento confuso e obscuro.

Nota-se ainda em Kafka o medo de se expor e, por isso, sua obra é o retrato fiel de sua personalidade obscura, taciturna e estranha até para ele próprio tão bem transfigurada no inseto de A metamorfose. Outro motivo para Kafka ter-se autorretratado em A metamorfose é o fato de que devido a seu complexo de inferioridade em relação ao mundo e aos seus semelhantes, ele próprio considerava-se um "inseto", quando se referia às suas atividades burocráticas, uma vez que atuara no comércio e nos serviços públicos. 

Para Kafka essas atividades limitavam sua capacidade criativa, daí a comparação com um inseto. Embora não seja explicitada na obra a que tipo de inseto Kafka se refere cabe interpretá-lo como uma barata, já que o escritor deixa algumas pistas durante a narrativa, utilizando-se de um recurso que tem por objetivo causar suspense e estranheza, típicos da personalidade kafquiana. Assim, para exprimir esse sentimento de isolamento do mundo e repugnância contra si mesmo, a barata parecia ideal por ser um tipo de inseto que vive nos subterrâneos e está vinculada à degradação, à sujeira, despertando por isso, asco nas pessoas e o desejo de livrar-se logo do animalzinho.

Além disso, como já citado anteriormente, sua constituição física desprovida de gordura e massa muscular acentuava ainda mais a necessidade de diminuir-se diante dos outros, o que lhe dava a sensação de não pertencer ao mundo dos vivos, mas sim dos mortos. Vê-se que tudo contribuía para a decadência física e literária de Kafka, entretanto, é na e através da Literatura que ele conseguirá encontrar sua válvula de escape, tornando-se um dos maiores autores clássicos. A obra de Canetti é mais um estudo que visa compreender os mistérios que envolvem a intimidade deste "autor-inseto" e, por consequência, os mistérios intrigantes presentes na literatura kafquiana sob a ótica da personalidade complexa de seu autor. 

Configura-se, pois, em um bom caminho para entender o universo de Kafka.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANETTI, Elias. O outro processo: as cartas de Kafka a Felice. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988.
KAFKA, Franz. A metamorfose / Um artista da fome / Carta a meu pai. Trad. Pietro Nassetti e Torrieri Guimarães. 1 ed. São Paulo: Martin Claret, 2003.