A PRESENÇA DO ELEMENTO GÓTICO EM O MORRO DOS VENTOS UIVANTES (DE EMILY BRONTE) - PARTE I

 


BREVE INTRODUÇÃO

Whutering Heights, único romance da escritora britânica Emily Brönte, traduzido para o português como, O morro dos ventos uivantes foi publicado em 1847. Considerado um clássico da literatura inglesa recebeu inúmeras críticas, inclusive sobre sua construção narrativa. 

Nascida no condado de Yorkshire, Emily viveu isolada não só em seu círculo familiar, mas também das coisas do mundo, além de ter convivido sempre de perto com a morte (perdendo a mãe em 1821 e duas irmãs mais velhas em 1825), seus escritos refletem um pouco dessa atmosfera um tanto sobrenatural que a circundava.

 

Para os críticos da época era inconcebível que uma moça de temperamento introvertido, tímido e extremamente contido (sob o pseudônimo masculino de Ellis Bell), avessa às relações sociais e com pouquíssimo contato com as coisas do mundo e da vida compusesse uma obra tão completamente fora de seu universo. 

 

Tudo isso porque o enredo de Emily, cujo cenário é a própria região em que ela cresceu, foi considerado rústico demais e com personagens inverossímeis. A justificativa de acordo com sua irmã Charlotte Bronte em prefácio publicado em uma segunda edição da obra era de que os camponeses analfabetos e fidalgos não refinados daquelas paragens não poderiam externar paixões de forma tão intensa e brutal nem se utilizar de uma linguagem forte, devido às condições em que eram criados e os ensinamentos que recebiam num ambiente rude e de contenção de sentimentos.

 

Ainda segundo ela, “as bravias charnecas do norte da Inglaterra” e a “linguagem, as maneiras, as próprias moradas e os usos domésticos dos poucos habitantes dessas regiões” poderiam soar ininteligíveis e até mesmo repulsivos para os leitores, tornando-a uma obra exótica e estranha.

 

Mas é preciso deixar claro que Emily, bem como suas irmãs sobreviventes (além de Charlotte, Anne Bronte) sempre alimentaram o sonho de se tornarem escritoras, pois nutriam grande interesse por livros e literatura, incentivadas que foram pelo pai a estudar. Assim, elas “consumiam avidamente jornais e revistas, e estavam tão familiarizadas com as comédias mais picantes de Shakespeare e a poesia de Byron quanto com a leitura da Bíblia”, segundo Pauline Nestor na introdução da edição de 2021, da Companhia das Letras citada nas referências.

 

Com isso, após publicarem em conjunto um pequeno livro de poesias, elas se aventuraram pelo romance, cada uma escrevendo o seu. Charlotte produziu Jane Eyre; Anne escreveu, Agnes Grey e Emily criou o mais polêmico e exaltado dos três, O morro dos ventos uivantes. 

 

Trazendo uma narrativa centrada na atormentada, sombria e fantasmagórica história de amor e ódio de Heathcliff  e Catherine Earnshaw entre as propriedades de Wuthering Heights e a Granja Thrushcross, ela é contada em flashback através de um narrador-testemunha, na figura da bondosa e prestativa governanta Nelly Dean no ano de 1801, num tempo presente da narrativa ao novo inquilino da Granja, Mr. Lockwood, um forasteiro que chega para causar certa desordem no lugar.

 

Pode-se dizer que há dois narradores no enredo, uma vez que nos três primeiros capítulos é Mr. Lockwood quem nos conta como chegou à Granja Thrushcross, além de seu primeiro e único contato com Heathcliff.

 

A partir do capítulo 4 ao solicitar à Nelly Dean que fale mais sobre a história do lugar e a vida de seus habitantes, é a governanta quem assume a tarefa de relatar os fatos em torno do romance doentio e não concretizado de Heathcliff Catherine até o capítulo 31. No capítulo 32, agora no tempo presente, no ano de 1802, a narrativa volta momentaneamente para Mr. Lockwood, em passagem por Wuthering Heights a caminho de Gimmerton, uma localidade próxima, no qual cede a palavra para Nelly Dean outra vez para que esta lhe narre os últimos acontecimentos, encerrando-se a narrativa no capítulo 34.

 

No início do enredo, Heathcliff, um pequeno órfão, de cabelos pretos, sujo, esfarrapado, com aspecto cigano e de origem não revelada na história é trazido para Wuthering Heights após uma viagem de três dias empreendida pelo Sr. Earnshaw, alegando tê-lo encontrado faminto e abandonado pelas ruas de Liverpool, assim descrito pela governanta: “Era uma criança taciturna e paciente, talvez endurecida pelos maus-tratos”. (BRONTE, 1987, p. 54)

 

Entre diversos acontecimentos num enredo que parece dar um nó na cabeça do leitor, o garoto e Catherine, sua irmã adotiva logo se sentem afeiçoados um pelo outro, nascendo daí um amor desesperado, confuso e sombrio que nem a morte nem o tempo apagará. Assim, assemelhando-se às paisagens ermas, distantes, desoladas, amedrontadoras, gélidas, funestas e obscuras, onde assoviam ventos ora tristes e melancólicos, ora fortes e tempestuosos, as personagens também são descritas conforme o ambiente em que vivem: frias, perturbadas, sombrias, temperamentais, impetuosas, impulsivas, coléricas, teimosas, entre outras. 

E é nessa atmosfera que se desenvolve essa narrativa intensa, visceral e apaixonante, que nos desperta sentimentos contraditórios o tempo todo durante a leitura, na qual se destacam alguns elementos góticos, dos quais falaremos a seguir.


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