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A IMPORTÂNCIA DA LEITURA

 

Essas perguntas são essenciais porque toda a nossa bagagem literária (tudo aquilo que já lemos pela vida afora) serve de base para nosso conhecimento, visão e opinião acerca do mundo e de tudo o que acontece ao nosso redor diariamente. Para aqueles que escrevem é ainda mais importante essa bagagem literária, porque afinal de contas, nada vem do nada, ou seja, todo o texto que um escritor planeja vem de alguma fonte, de alguma referência prévia de leitura ou de leituras feitas ao longo de sua vida. 

Para Périsse (2000, p. 84) é pela leitura criativa de qualquer livro, que podemos nos tornar aquilo que somos e aquilo que jamais seremos, pois a "maleabilidade é uma das virtudes do ser criativo. [...] Quem não é maleável não se aperfeiçoa. E aprendemos a ser melhores, quanto melhor lemos. Ler é afinar nossa capacidade de ser e é uma das virtudes do ser criativo". 

Entretanto, não basta só ler, é preciso que saibamos como ler e nada melhor do que aprender a ler o livro nas entrelinhas, pois é ali que está concentrada toda a essência do texto. Nas palavras de Périsse (2000, p. 71), começamos a ler melhor quando começamos a fazer perguntas ao livro, uma vez que todo texto pede a participação do leitor, através de um acordo ou pacto ficcional selado entre a obra e o leitor, em que o leitor aceita como verdade dentro dos limites da realidade aquilo que vai ler. 

Nesse sentido, "ler é como conversar. [...] O leitor tem o dever e o direito de replicar. O direito é evidente. Nada o impede de emitir um julgamento. As raízes do dever, no entanto, se fixam um pouco mais profundamente na natureza das relações entre os livros e os leitores", de acordo com Mortimer (1954, p. 187-188)

E, da mesma forma, que temos o direito de fazer perguntas ao livro, temos também o direito de procurar respostas, sanar dúvidas e de emitir um julgamento para o bem ou para o mal sobre aquilo que foi lido, pois é isso que ao final vai fazer com que a leitura tenha valido a pena. 

Por isso, precisamos ler e, principalmente, saber ler as obras que escolhemos, pois como diz Périsse, uma leitura lenta e atenta de um livro, como por exemplo, "dos verdadeiros líderes da humanidade (poetas e filósofos sobretudo), pode atuar como terapia existencial". 

Périsse (2000, p. 71), diz ainda que existem vários motivos que levam uma pessoa a se entregar ao prazer indescritível da leitura: 

Uns leem por necessidade existencial, outros porque virou um vício. Uns leem por prazer, outros por atavismo. [...] Uns leem para saber o que iam ler, outros para escapar da Maldição. Uns leem para imitar os intelectuais, outros para ler a história da vida. Uns leem porque não sabem tocar piano, outros para se vingarem. [...] Uns leem porque não têm motivos, outros por masoquismo. 

Com isso, chegamos à seguinte conclusão: independente do motivo que nos leva a ler, o certo é que o essencial para termos bons argumentos e opiniões sobre tudo o que acontece na vida e no mundo diariamente é ler, ler muito e saber captar a essência daquilo que lemos para obter êxito na leitura e, assim, crescermos alguns degraus na escada do conhecimento para saber aplicá-lo em diferentes contextos. 


Referências Bibliográficas:

MORTIMER, A; DOREN, V. C. A arte de ler: como adquirir uma educação liberal. 1 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1954.

PÉRISSE, G. O leitor criativo: teoria e prática para ler melhor. 1 ed. São Paulo: Mandruvá, 2000. 

POEMA E POESIA OU POESIA E POEMA - MAS, AFINAL O QUE É POESIA E O QUE É POEMA?




Uma primeira definição para poesia e daquelas mais simples seria dizer que ela é todo o texto escrito em versos. Entretanto, o problema é que poesia NÃO é apenas todo o texto escrito em versos. E que na verdade o que se escreve e se materializa é o poema e não a poesia. Qual é a diferença então entre poesia e poema ou poema e poesia? A diferença reside no fato de que a poesia numa definição da origem da palavra, segundo Massaud Moisés, em seu Dicionário de Termos Literários, vem do grego poiesis, que significa “ação de fazer alguma coisa, criar no sentido de imaginar”.

Ou seja, a poesia seria o estado ainda abstrato do poema, o momento da composição, enquanto ela ainda está na fase da imaginação, da procura das palavras, das imagens que se conectarão de acordo com o desejo e o planejamento do poeta para produzir o poema imaginado.

Podemos dizer que seria também algo equivalente ao conselho de Drummond nesse trecho de seu poema, Procura da poesia:

[...]

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.

Por sua vez, o poema propriamente dito é o produto concreto e acabado dessa imaginação colocada para funcionar de forma poética. É o poema terminado, materializado na folha em branco, pronto para ganhar o mundo e ser lido pelos leitores e apreciadores de poesia. Esteja ele vestido ou trajado no tema ou assunto que for, que o poeta escolheu para se expressar poeticamente.

Mas, porém, entretanto, contudo, todavia... o poema (e não mais a poesia) é um tipo de texto que ALÉM de ser escrito em versos precisa conter alguns elementos que o distingam da prosa. E é justamente aí que mora todo o encanto, a beleza e a magia de um texto poético. Sim, mas que elementos são esses?

Esses elementos são os chamados elementos poéticos ou elementos da poesia, os quais englobam: rima, musicalidade, ritmo, métrica e figuras de linguagem (metáfora, sinestesia, aliteração, hipérbole, assonância, entre outras), a fim de formar imagens e compor um poema de qualidade, digamos assim.

Mas voltemos para a definição de Poesia. Tal como a literatura, ela não possui uma definição específica, mas sim diversas definições de acordo com os mais variados filósofos, teóricos e críticos literários, além, claro dos que mais entendem de fazer poesia: os poetas.

Para o professor Pedro Lyra (p. 7, 1992), por exemplo:

[...] a poesia está no mundo originariamente, antes de estar no poeta ou no poema e isso pode ser comprovado pela simples constatação popular de que determinados objetos/situações do mundo são “poéticos” ela tem sua existência literária decidida nesse trânsito do abstrato ao concreto, do mundo para o poema, através do poeta, no processo que a conduz do estado de potência ao de objeto. 

Já o professor e crítico literário Carlos Felipe Moisés (p. 12, 1996) admite que:

a “poesia seja um jogo de subentendidos, linguagem cifrada, repleta de nuanças e ambiguidades, constituindo assim um poderoso desafio à nossa sensibilidade e argúcia”.

O crítico literário Afrânio Coutinho (p. 86, 2008) nos diz que:

A poesia é palavra, e é a palavra o primeiro elemento formal. Pela palavra o poeta domina e organiza sua experiência e a comunica por meio de imagens e símbolos. Pela palavra ele constrói seus castelos, enche-os de imagens. Cria forma, na qual há uma relação harmônica entre a parte e o todo, entre a inspiração e a expressão. Essa forma, unidade orgânica, é o poema. Mas a palavra da poesia é específica. Há uma linguagem poética própria, com grande carga lírica e emocional, assim diferindo da científica e da coloquial. Essa língua poética é composta de um vocabulário alinhado em ordem peculiar e carregado de sentidos próprios e de ambiguidade.

Para o poeta Mario Faustino (p. 28-29, 1976):

[...] poesia para mim é instrumento. [...] Instrumentos de muitas outras, quero eu dizer. Meio, por exemplo, de comover os homens; meio de os alegrar; meio de ensiná-los. [...] Pois, de certo modo, todo poema é eficiente, por mais tristes que sejam seus temas, sua anedota, suas sugestões, suas alusões — um bom poema sempre “deleita” o leitor saudável e competente.

Vejamos outras tentativas de definição:

Todas as literaturas começaram pela poesia. O homem começou cantando seus mitos, celebrando seus heróis, seus guerreiros, embora depois descobrisse outros temas. [...] A poesia não se escolhe e não é uma profissão. Poesia é a arte de causar emoções através do manejo das palavras. Um verso é uma coisa dita com certa cadência e não há leis para a poesia. É uma arte não menos misteriosa do que a música, talvez seja mais misteriosa. [Jorge Luis Borges]

A poesia é mais profunda e mais filosófica que a história. [Aristóteles]

A poesia é um difícil ofício de expressar a vida, naquilo que ela tem de belo e dramático. [Ferreira Gullar]

Poesia, irmã mais velha de todas as artes, e mãe da maioria delas. [William Congreve]

A poesia é a religião original da humanidade. [Novalis]

A poesia é a revelação de um sentimento que o poeta acredita ser interior e pessoal, mas que o leitor reconhece como próprio. [Salvatore Quasimodo]

A pintura é poesia muda; a poesia, pintura cega. [Leonardo da Vinci]

O reino de ação da poesia é a linguagem. [...] a essência da poesia deve ser concebida pela essência da linguagem. [Martin Heidegger]

A poesia sempre me pareceu um mistério, você não sabe dizer o que é, ela acontece ou não acontece. [Hilda Hilst]

Todas as coisas possuem seu mistério e a poesia é o mistério de todas as coisas.[Federico Garcia Lorca]

A poesia faz imortal tudo quanto é melhor e mais belo neste mundo. [Percy Bysshe Shelley]

Poesia não tem hoje nem ontem. Poesia é sempre. [Marisa Lajolo]

Mas é o poeta, tradutor e ensaísta Octávio Paz (p. 15, 1982) que na sua tentativa de definição de poesia, quem parece resumir, ou antes, unir todas as outras num só pensamento: 

A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. [...] Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não-dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Ideia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. [...]

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COUTINHO, A. Notas de teoria literária. 1 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

FAUSTINO, M. Poesia – experiência. 1 ed. São Paulo: Perspectiva, 1976.

LIRA, P. Conceito de poesia. 2 ed. São Paulo: Ática, 1992.

MOISÉS, F. C. Poesia não é difícil: introdução à análise de texto poético.  1 ed. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1996.

PAZ, O. O arco e a lira. Trad. Olga Savary. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

REACHERS, S. Poesia em 500 citações: algumas das melhores definições e reflexões de todos os tempos sobre a poesia e o poema, o poeta e o fazer poético. 1 ed. São Gonçalo: Edição Independente, 2018.

 












LITERATURA - AFINAL, O QUE É LITERATURA?

 


Em primeiro lugar, a palavra “literatura” vem do latim littera e tem por significado o ensino das primeiras letras. Somente com o tempo é que foi recebendo outros significados, como “arte das belas letras”, “arte literária” e “poesia” no século XVIII em detrimento do termo “literatura”, devido ao fato de que nessa época o culto da imaginação havia entrado em moda e era muito valorizado.

Apenas no final do século XVIII e início do século XIX é que o termo “literatura” passou a ser empregado para se referir a textos escritos ou impressos, passando também a significar “o conjunto da produção literária de um determinado país”, por isso, “cada país possuiria uma literatura com caracteres próprios, uma literatura que seria expressão do espírito nacional e que constituiria, por conseguinte, um dos factores relevantes a ter em conta para se definir a natureza peculiar de cada nação. Sintagmas como literatura alemã, literatura francesa, literatura italiana, etc., foram-se tornando de uso frequente”. (SILVA e AGUIAR,  p. 7, 2007).

É importante saber que não existe uma definição clara de Literatura, mas sim conceitos. Afinal, essa questão vem sendo pensada há mais de 2500 anos, pois de acordo com Silva e Aguiar (p. 14, 2007) trata-se de um processo histórico ininterrupto de produção de novos textos ao longo do tempo, que assim como podem representar na época de seu aparecimento uma novidade e uma ruptura imprevistas sobre os textos já conhecidos também podem propiciar modificações profundas e severas nos textos produzidos até então, proporcionando ou determinando novas possiblidades de leituras desses mesmos textos.

Assim, os conceitos vêm mudando ao longo do tempo devido aos critérios adotados para se considerar uma obra como literária, entre eles a originalidade, a permanência dessa obra ao longo dos séculos, o emprego da linguagem na obra, a importância histórica e cultural da obra dentro do país em que foi criada, a universalidade, etc.

Vejamos então alguns conceitos de diversos autores, estudiosos e críticos literários de variadas épocas:

"Arte Literária é mimese (imitação); é a arte que imita pela palavra". (Aristóteles, Grécia Clássica)

"A Literatura é a expressão da sociedade, como a palavra é a expressão do homem". (Louis de Bonald, pensador e crítico do Romantismo francês, início do século XIX)

"Literatura é linguagem carregada de significado. Grande literatura é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível”. (Ezra Pound)

"Tal é, pois, a "verdadeira" e "pura" literatura: uma subjetividade que se entrega sob a aparência de objetividade, um discurso tão curiosamente engendrado que equivale ao silêncio; um pensamento que se contesta a si mesmo, uma Razão que é apenas a máscara da loucura, um Eterno que dá a entender que é apenas um momento de História, um momento histórico que, pelos aspectos ocultos que revela. remete de súbito ao homem eterno; um perpétuo ensinamento, mas que se dá contra a vontade expressa daqueles que ensinam". (Jean-Paul Sartre)

"A Literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é a realidade recriada através do espírito do artista e retransmitida através da língua para as formas, que são os gêneros, e com os quais ela toma corpo e nova realidade. Passa, então, a viver outra vida, autônoma, independente do autor e da experiência de realidade de onde proveio. Os fatos que lhe deram às vezes origem perderam a realidade primitiva e adquiriram outra, graças à imaginação do artista. São agora fatos de outra natureza, diferentes dos fatos naturais objetivados pela ciência ou pela história ou pelo social. A verdade estética – desde Aristóteles que se sabe – é diversa da verdade histórica. O artista literário cria ou recria um mundo de verdades que não são mensuráveis pelos mesmos padrões das verdades fatuais. Os fatos que manipula não têm comparação com os da realidade concreta. São as verdades humanas gerais, que traduzem antes um sentimento de experiência, uma compreensão e um julgamento das coisas humanas, um sentido da vida, e que fornecem um retrato vivo e insinuante da vida, o qual sugere antes que esgota o quadro. A Literatura é, assim, a vida, parte da vida, não se admitindo possa haver conflito entre uma e outra. Através das obras literárias, tomamos contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as verdades da mesma condição humana". (Afrânio Coutinho)

"A literatura é como o sorriso da sociedade. Quando a sociedade ela está feliz, o espírito se lhe reflete nas artes e, na arte literária, com ficção e com poesias, as mais graciosas expressões da imaginação. Se há apreensão ou sofrimento, o espírito se concentra grave, preocupado, e então, histórias, ensaios morais e científicos, sociológicos e políticos, são-lhe a preferência imposta pela utilidade imediata". (Afrânio Peixoto)

Desse modo, podemos resumir a Literatura nas palavras proféticas do Prof. Vitor Manuel de Aguiar e Silva:

"A literatura não é um jogo, um passatempo, um produto anacrônico de uma sociedade dessorada, mas uma atividade artística que, sob multiformes modulações, tem exprimido e continua a exprimir, de modo inconfundível, a alegria e a angústia, as certezas e os enigmas do homem. [...] E assim há de continuar a ser com os escritores de amanhã. Apenas variará o tempo e o modo". 


BIBLIOGRAFIA:

MOISÉS, M. A criação literária: poesia e prosa. 1 ed. São Paulo: Cultrix, 2015.

SILVA e AGUIAR de MANUEL, V. Teoria da Literatura. 8 ed. Coimbra: Almedina, 2007. 


 

O RACISMO NA LITERATURA BRASILEIRA

 


Eu tenho um sonho, que os negros e os brancos andassem em irmandade e sentassem-se na mesma mesa em paz. 
[Martin Luther King]

O racismo sempre existiu na Literatura Brasileira tanto com relação a escritores e/ou poetas homens como em relação às mulheres em suas duas vertentes, ou seja, os que sofreram na pele o preconceito racial por serem negros e os que eram os próprios preconceituosos, refletindo esse preconceito em suas obras. 

Os escritores negros que sofriam preconceito manifestavam sua luta contra ele através da denúncia e da crítica social em suas obras, retratando a escravidão e as péssimas condições de vida do negro na sociedade. Também manifestavam essa luta na criação de personagens, seja na cor da pele e/ou na ideologia e valores morais e sociais que defendiam, como Antonio Balduíno, um dos primeiros personagens negros da Literatura Brasileira, colocado como personagem principal no romance Jubiabá, de Jorge Amado. Também o poeta Castro Alves abordou o tema da escravidão em seu famoso poema Navio negreiro, denunciando as péssimas condições de higiene em que viajavam nos referidos navios. 

Alguns exemplos de escritores que sofreram com o preconceito racial ou que disseminavam racismo em suas obras são:

a) Machado de Assis, insistentemente retratado como um homem branco e de origem elitista, embora fosse negro, nascido no morro e pobre, sem nunca ter frequentado uma universidade, apesar de sua grande genialidade;

b) Lima Barreto, também homem negro de origem humilde, denunciava em sua obra o preconceito racial, que ele mesmo sofreu quando tentou por três vezes candidatura à Academia Brasileira de Letras. Em suas obras aborda além do preconceito racial, o nacionalismo exacerbado (uma crítica à recriação de um passado indígena e misturado com um futuro progressista) e a violência contra a mulher. Era ainda contrário à moda de copiar tudo o que vinha da Europa e dos Estados Unidos. 

c) Cruz e Sousa, outro grande poeta e expoente do Simbolismo Brasileiro, também de origem humilde, filho de escravos alforriados sofreu preconceito racial durante toda a sua vida, tendo lutado contra a escravidão e o racismo. Teve acesso aos estudos graças ao apadrinhamento do coronel Guilherme Xavier de Sousa, antigo "dono" da mãe do poeta e de quem herdou o sobrenome Sousa. Suas obras refletem a angústia, a presença e a obsessão pela cor branca, além da temática da pobreza, do preconceito racial e da morte. 

d) Gilka Machado, poetisa precursora da poesia erótica feminina no Brasil, de origem pobre sofreu preconceito não só pela pobreza, mas também pela cor de sua pele e pela ousadia de falar em sexo no contexto sociopolítico da época da República. Recebeu vários comentários negativos dos críticos literários, entre eles, Afrânio Peixoto que a chamou de "matrona imoral" e de "mulatinha escura" ao reportar um encontro que tivera com Gilka para entregar-lhe uma carta, fazendo questão de enfatizar que sua casa "respirava pobreza". Outros críticos como Agripino Greco a chamavam de "bacante dos trópicos". Além disso, sua origem familiar também parecia contribuir para essa "devassidão literária" de Gilka, uma vez que sua mãe era registrada como prostituta para poder trabalhar como atriz de rádio e o pai um beberrão incorrigível que a batizou de Gilka, uma famosa marca de vodca. 

Há ainda Monteiro Lobato, considerado caso um tanto polêmico na Literatura. Alguns estudiosos e críticos literários encontraram termos e trechos com conotação racista em seus livros. Um exemplo seria o tratamento dado pelo narrador à Tia Nastácia em Reinações de Narizinho ao referir-se a ela repetidamente como "negra" ou "preta", como na frase “A negra deu uma risada com a beiçaria inteira” (p.180) num sentido um tanto quanto pejorativo, além de atribuir características físicas distintivas como se a personagem fosse definida pela cor de sua pele.

Também se destacam as falas de Emília e Cinderela, no capítulo A coroinha, quando toma café com as princesas Branca de Neve, Rosa Vermelha, Capinha Vermelha e Cinderela que vão visitá-la no Sítio. Ao ser perguntada por Branca de Neve sobre quem é tia Nastácia, a boneca parece responder em tom de zombaria ao dizer que a cozinheira do Sítio é uma princesa de origem núbia, um povoado (os núbios) que se desenvolveu numa antiga região da África:

Pois não sabe? respondeu Emília com carinha malandra. Nastácia é uma princesa núbia que certa fada virou em cozinheira. Quando aparecer um certo anel, que está na barriga de um certo peixe, virará princesa outra vez. Quem vai danar com isso é Dona Benta, que nunca achará melhor cozinheira. (LOBATO, p. 174, 2019)

Um pouco mais adiante no diálogo estabelecido entre elas, Cinderela ao comentar que não toma café com medo de ficar com a pele escura, Emília concorda que ela não deve mesmo tomar café para não ficar com a mesma cor preta de Tia Nastácia:

[...] Todos tomaram café, menos Cinderela.  Só tomo leite explicou a linda princesa. Tenho medo de que o café me deixe morena. 

Faz muito bem. disse Emília. Foi de tanto tomar café que Tia Nastácia ficou preta assim... (LOBATO, p. 174-175, 2019)

O autor tentou ainda editar uma obra intitulada O Presidente Negro, nos EUA, a qual não teve aceitação. Devido ao fato de carregar conceitos e ideologias de um racismo estrutural advindo de um passado de escravidão no Brasil, seu livro não tinha como ser aceito, uma vez que o país americano já havia abolido sua escravidão e os negros ainda sentiam o desafio de tentar se inserir na sociedade dominada por brancos. À la Orson Wells, num enredo distópico, que começa no Brasil na década de 1920, o personagem Ayrton sofre um acidente, sendo resgatado por uma espécie de cientista "maluco", que lhe apresenta suas invenções. Entre elas está uma geringonça chamada porviroscópio, uma máquina que mostra o futuro. Assim, através dela, eles começam a acompanhar a vida no EUA, que em 2228 passava por uma campanha eleitoral. A sociedade americana havia adotado algumas medidas como o fim da imigração, a execução de recém-nascidos com malformações e a esterilização dos doentes mentais. É então neste contexto que o candidato à presidência Jim Roy, um homem negro vence a eleição. Outro aspecto abordado na obra, é que no país não havia ocorrido a miscigenação como aqui no Brasil não causando uma degeneração da raça branca. Por fim, devido aos conflitos de convivência e aceitação entre negros e brancos, os negros sugerem a divisão do país e os brancos, indo mais além, sugerem que todos sejam extraditados para a Amazônia. 

O autor teria rejeitado as críticas e os conselhos que recebeu dos editores norte-americanos acerca da publicação da obra. Atualmente vem sendo cancelado por estudiosos e por escolas que indicavam seus livros para leitura. Mas, apesar de toda a polêmica em torno de sua obra, não se pode negar o legado que ele deixou para a literatura infanto-juvenil no país.  


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

D'ANGELO, Helô. Lima Barreto e o racismo do nosso tempo.  Revista Cult. 11 de maio de 2017. <https://revistacult.uol.com.br/home/lima-barreto-e-o-racismo-do-nosso-tempo/> Acesso em 04/11/23

LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. 1 ed. São Paulo: Ciranda Cultural, 2019.

MOREIRA, Éric. O livro que fez Monteiro Lobato quebrar a cara ao tentar conquistar os EUA. Revista Cult. 26 de fevereiro de 2023. <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/o-livro-que-fez-monteiro-lobato-quebrar-cara-ao-tentar-conquistar-os-eua.phtml>

RKAIN, Jamile. Uma pioneira no erotismo: lutando contra machismo e racismo, Gilka Machado escreveu sobre libertação da mulher pelo sexo. Em: <https://operamundi.uol.com.br/samuel/46618/uma-pioneira-do-erotismo-lutando-contra-machismo-e-racismo-gilka-machado-escreveu-sobre-libertacao-da-mulher-pelo-sexo> Acesso em 04/11/23.

Sobre Cruz e Sousa: <https://mundoeducacao.uol.com.br/literatura/cruz-e-sousa.htm> Acesso em 04/11/23.