Tornado linguagem graças a um escrita própria, que se encarna em cada realizador sob a forma de um estilo, o cinema transformou-se, por esse motivo, num meio de comunicação, de informação, de propaganda, o que não constitui, evidentemente, uma contradição de sua qualidade de arte. [...] Assim, para Jean Cocteau, "um filme é uma escrita em imagens", enquanto que Alexandre Arnoux considera que "o cinema é uma linguagem de imagens com o seu vocabulário próprio, a sua sintaxe, flexões, elipses, convenções, gramática", Jean Epstein vê nele "a língua universal ", e Louis Delluc afirma que "um bom filme é um bom teorema".
[...] Mas poder-se-á verdadeiramente considerar que o cinema seja uma linguagem dotada da maleabilidade e do simbolismo que esta noção implica? Cohen-Séat não parece acreditar nisso quando escreve: "desde que se trate de reencontrar o rasto das disciplinas da linguagem convencional na agitação transbordante das imagens fílmicas e, sobretudo, se se tenta procurar qualquer meio de secundar estas disciplinas, de secundar o seu estabelecimento, é necessário admitir, primeiro do que tudo, evidentemente, que a filmografia ainda não ultrapassou uma era de harmonias imitativas.
Os nossos filmes pertenceriam, por assim dizer, à idade das onomatopeias visuais e sonoras, das primitivas evocações diretas. Esses signos ingênuos seriam chamados para uma organização mais elaborada e, por consequência, para acolher ou instituir neles próprios uma espécie de convencionalismo. É conveniente acrescentar, claro, que o caráter primitivo da expressão fílmica não nos obriga, de modo algum, a considerar o filme como representando "a mentalidade do selvagem desenvolvida numa linguagem civilizada". Considerá-lo-íamos antes como uma forma de linguagem ainda não evoluída, inserindo-se numa civilização avançada e, talvez, capaz consequentemente, de tomar uma via de evolução original". A estas restrições, sem dúvida alguma, muito severas, embora bastante inteligentes, Gabriel Audisio acrescenta outras, de caráter histórico: "diz-se também que o cinema é uma linguagem, o que é falar muito imprudentemente. Quem confundir linguagem com meio de expressão expõe-se a graves dissabores. A impressão é um meio de expressão: pôde esperar que a inventassem. Porque o homem teve sempre diversos meios de se exprimir, nem que fosse com gestos... Mas a música, a poesia e a pintura são linguagens: não me parece que tenham sido inventadas ontem, nem que se possa inventar outras. A linguagem nasceu com o homem".
Talvez. Mas então admitir-se-á que o cinema é a forma mais recente da linguagem definida como "sistema de signos destinados à comunicação". Contudo, o semiólogo Christian Metz, autor desta definição, afirma que ela não pode abarcar a flexibilidade e a riqueza da linguagem cinematográfica: "reprodução ou criação, o filme ficaria sempre aquém ou além da linguagem" devido ao que "existe de abundante nesta linguagem tão diferente de uma língua, tão rapidamente submetida às inovações da arte como às aparências perceptivas dos objetos representados". É o seu aspecto pouco sistemático que diferencia a linguagem cinematográfica da língua: as "diversas unidades significativas minimais" não tem no seu interior "significado estável e universal" e é isso que permite classificar o cinema entre outros "conjuntos-significantes", tais como "os que formam as artes ou os grandes meios de expressão culturais".
Mas o que distingue o cinema de todos os outros meios de expressão culturais é o poder excepcional que lhe advém do fato de a sua linguagem funcionar a partir da reprodução fotográfica da realidade. Com efeito, com ele, são os próprios seres e as próprias coisas que aparecem e falam, dirigem-se aos sentidos e falam à imaginação: a uma primeira abordagem parece que qualquer representação (o significante) coincide de forma exata e unívoca com a informação conceptual que veicula (o significado). Na realidade, a representação é sempre mediatizada pelo tratamento fílmico, como sublinha Christian Metz: "se o cinema é linguagem, é porque ele opera com a imagem dos objetos, não com os objetos em si. A duplicação fotográfica [...] arranca ao mutismo do mundo um fragmento de quase-realidade para dele fazer o elemento de um discurso. Dispostas de forma diferente do que surgem na vida, transformadas e reestruturadas no decurso de uma intervenção narrativa, as efígies do mundo tornam-se elementos de um enunciado".
Isto significa que a realidade que aparece na tela nunca é totalmente neutra, mas sempre sinal de algo mais, num qualquer grau. Bernard Pingaud comentou esta dialética significante-significado da seguinte forma: "contrariamente aos seus análogos reais, vemos sempre o que os objetos querem dizer e, quanto mais este conhecimento é evidente, mais o objeto se dilui nele, perde o seu valor específico. De forma que o filme parece condenado quer à opacidade de um sentido rico, quer à clareza de um sentido pobre. Tanto pode ser símbolo, como enigma. Esta ambiguidade de relação entre o real objetivo e a sua imagem fílmica é uma das características fundamentais da expressão cinematográfica e determina em grande parte a relação do espectador com o filme, relação que vai desde a crença ingênua na realidade do real representado à percepção intuitiva ou intelectual dos signos implícitos como elementos de uma linguagem.
Os nossos filmes pertenceriam, por assim dizer, à idade das onomatopeias visuais e sonoras, das primitivas evocações diretas. Esses signos ingênuos seriam chamados para uma organização mais elaborada e, por consequência, para acolher ou instituir neles próprios uma espécie de convencionalismo. É conveniente acrescentar, claro, que o caráter primitivo da expressão fílmica não nos obriga, de modo algum, a considerar o filme como representando "a mentalidade do selvagem desenvolvida numa linguagem civilizada". Considerá-lo-íamos antes como uma forma de linguagem ainda não evoluída, inserindo-se numa civilização avançada e, talvez, capaz consequentemente, de tomar uma via de evolução original". A estas restrições, sem dúvida alguma, muito severas, embora bastante inteligentes, Gabriel Audisio acrescenta outras, de caráter histórico: "diz-se também que o cinema é uma linguagem, o que é falar muito imprudentemente. Quem confundir linguagem com meio de expressão expõe-se a graves dissabores. A impressão é um meio de expressão: pôde esperar que a inventassem. Porque o homem teve sempre diversos meios de se exprimir, nem que fosse com gestos... Mas a música, a poesia e a pintura são linguagens: não me parece que tenham sido inventadas ontem, nem que se possa inventar outras. A linguagem nasceu com o homem".
Talvez. Mas então admitir-se-á que o cinema é a forma mais recente da linguagem definida como "sistema de signos destinados à comunicação". Contudo, o semiólogo Christian Metz, autor desta definição, afirma que ela não pode abarcar a flexibilidade e a riqueza da linguagem cinematográfica: "reprodução ou criação, o filme ficaria sempre aquém ou além da linguagem" devido ao que "existe de abundante nesta linguagem tão diferente de uma língua, tão rapidamente submetida às inovações da arte como às aparências perceptivas dos objetos representados". É o seu aspecto pouco sistemático que diferencia a linguagem cinematográfica da língua: as "diversas unidades significativas minimais" não tem no seu interior "significado estável e universal" e é isso que permite classificar o cinema entre outros "conjuntos-significantes", tais como "os que formam as artes ou os grandes meios de expressão culturais".
Mas o que distingue o cinema de todos os outros meios de expressão culturais é o poder excepcional que lhe advém do fato de a sua linguagem funcionar a partir da reprodução fotográfica da realidade. Com efeito, com ele, são os próprios seres e as próprias coisas que aparecem e falam, dirigem-se aos sentidos e falam à imaginação: a uma primeira abordagem parece que qualquer representação (o significante) coincide de forma exata e unívoca com a informação conceptual que veicula (o significado). Na realidade, a representação é sempre mediatizada pelo tratamento fílmico, como sublinha Christian Metz: "se o cinema é linguagem, é porque ele opera com a imagem dos objetos, não com os objetos em si. A duplicação fotográfica [...] arranca ao mutismo do mundo um fragmento de quase-realidade para dele fazer o elemento de um discurso. Dispostas de forma diferente do que surgem na vida, transformadas e reestruturadas no decurso de uma intervenção narrativa, as efígies do mundo tornam-se elementos de um enunciado".
Isto significa que a realidade que aparece na tela nunca é totalmente neutra, mas sempre sinal de algo mais, num qualquer grau. Bernard Pingaud comentou esta dialética significante-significado da seguinte forma: "contrariamente aos seus análogos reais, vemos sempre o que os objetos querem dizer e, quanto mais este conhecimento é evidente, mais o objeto se dilui nele, perde o seu valor específico. De forma que o filme parece condenado quer à opacidade de um sentido rico, quer à clareza de um sentido pobre. Tanto pode ser símbolo, como enigma. Esta ambiguidade de relação entre o real objetivo e a sua imagem fílmica é uma das características fundamentais da expressão cinematográfica e determina em grande parte a relação do espectador com o filme, relação que vai desde a crença ingênua na realidade do real representado à percepção intuitiva ou intelectual dos signos implícitos como elementos de uma linguagem.
Esta constatação leva à aproximação da linguagem fílmica da linguagem poética em que as palavras da linguagem prosaica se enriquecem com múltiplos significantes potenciais. E pode-se pensar que a linguagem fílmica vulgar, tornando-se um meio que não transporta em si próprio o seu fim porque se limita a ser um simples veículo de sentimentos ou de ideias, constitui uma espécie de doença infantil do cinema, limitando-se a apresentar um catálogo de receitas, de procedimentos e de habilidades linguísticas pretensamente produtores de "significados estáveis e universais".
Porque se pode verificar que muitos filmes, perfeitamente eficazes no plano da linguagem, se mostram nulos do ponto de vista estético, do ponto de vista de ser fílmico: não tem exisência artística. Há filmes, escreve Lucien Wahl, "cujo argumento é suficiente, a realização não tem erros, os atores tem talento, mas o filme não vale nada. Não conseguimos ver o que lhes falta, mas sabemos que é o principal". O que lhes falta é aquilo a que alguns chamam a alma, ou a graça e a que eu chamo o ser. "Não são as imagens que fazem um filme", escreveu Abel Gance, "mas a alma das imagens". Para que esta revolução da linguagem, esta elevação do cinema-linguagem na direção do cinema-ser se realizasse, foi importantíssima a contribuição de nomes como Griffith, Eiseinstein, e mais tarde, Ozu, Mizoguchi, Antonioni, Resnais e Godart.
[...] É com efeito possível estudar a linguagem fílmica a partir das categorias da linguagem verbal, mas qualquer assimilação de princípio seria simultaneamente absurda e vã. Creio que é necessário afirmar desde o início a originalidade absoluta da linguagem cinematográfica. E a sua originalidade vem essencialmente do seu poder total, figurativo e evocador, da sua capacidade única e infinita de mostrar simultaneamente o invisível e o visível, de visualizar o pensamento ao mesmo tempo que o vivido, de conseguir a fusão do sonho e do real, da volatilidade imaginativa e da evidência documental, de ressuscitar o passado e atualizar o futuro, de conferir a uma imagem fugitiva maior carga persuasiva do aquela que é oferecida pelo espetáculo do cotidiano.
Paul Valéry exprimiu muito bem o deslumbramento e a surpresa que lhe causava este poder total do cinema: "na tela esticada, no plano sempre puro onde nem a vida nem o próprio sangue deixam traços, os acontecimentos mais complexos reproduzem-se o número de vezes que quisermos. As ações são aceleradas ou demoradas. A ordem dos acontecimentos pode ser alterada. Os mortos revivem e riem. [...] Vemos a precisão do real revestir-se de todos os atributos do sonho. É um sonho artificial. É também uma memória exterior, dotada de uma perfeição mecânica. Finalmente, por meio das paragens e das ampliações, a própria atenção deixa-se prender. A minha alma encontra-se dividida por estes fascínios. Ela vive na tela toda-poderosa e movimentada; participa nas paixões dos fantasmas que ali tomam forma. [...] Mas o outro efeito dessas imagens é mais estranho. Esta facilidade critica a vida. Que valor tem agora estas ações e estas emoções a cujas mudanças e monótona diversidade eu assisto? Já não tenho vontade de viver, porque não passa de aparência. Sei o futuro de cor".
MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Lisboa: Dinalivro, 2005. Trad. Lauro Antonio e Maria Eduarda Colares. (meio eletrônico)
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