CARTAS DE AMOR - ROMANCES PROTAGONIZADOS POR GRANDES NOMES DA LITERATURA - de Georg Sand para Alfred de Musset


Todas as cartas de amor são ridículas. [Álvaro de Campos]

George Sand (pseudônimo de Amandine Aurore Lucile Dupin inspirado no nome do escritor Jules Sandeau, amigo e um de seus amantes), é considerada uma das, senão a maior escritora francesa. Nascida em Paris em 1804 numa época em que não se aceitava muito bem a presença das mulheres nos meios literários, foi obrigada a abrir mão de sua própria identidade após o lançamento de seu primeiro romance Indiana em 1832, obtendo grande sucesso. 

Para sua época, a escritora possuía hábitos bastante peculiares, digamos assim e, consideravelmente avançados para uma mulher, como fumar em público e vestir-se com roupas masculinas por divertimento e praticidade, segundo ela. Além disso, era bastante prolífica na produção de suas obras, possuindo também uma vida e um currículo amoroso invejáveis e um tanto quanto agitados, com paixões que exerceram forte influência em seus escritos. 

Em sua interessante lista de affairs constam entre outros, Jules Sandeau (de onde derivou seu pseudônimo),  o advogado Michel de Bourges (que lhe apresentou os ideais republicanos e socialistas), o músico Frédéric Chopin e o poeta Alfred de Musset, para o qual a missiva abaixo é endereçada algum tempo depois de uma desastrosa viagem dos amantes à Veneza, na Itália, provavelmente entre os anos de 1833-34, a qual resultou no final conturbado do relacionamento. 

Percebe-se na carta todos os clichês possíveis para expressar seu amor e o tom de mágoa e um certo sofrimento pela separação, apesar de pretender mostrar-se desejosa de manter a amizade com o poeta, pedindo-lhe que lhe envie pares de luvas novas e os versos escritos por ele (fica a dúvida se feitos para ela ou não). 

Para Alfred de Musset, 15-17 de abril de 1834.

"Meu querido anjo, não recebi qualquer carta de Antonio e estava num estado espantoso de ansiedade. Estive com Vicenza com o objetivo de saber como havias passado a primeira noite. Só soube que cruzaste a cidade pela manhã. Dessa forma, a única notícia que tive de ti foram as duas linhas que escreveste de Pádua, e não sei o que pensar. Pagelllo me disse que, se estivesses doente, com certeza Antonio nos teria escrito, mas sei que neste país as cartas se perdem ou ficam seis semanas a caminho. Estava desesperada. Por fim, recebi tua carta de Genebra. Oh, quanto te agradeço por ela, minha criança! Como ela é gentil e como me animou! É mesmo verdade que não estás doente, que estás forte e não sofres? Estou sempre com medo de que, por afeição, estejas exagerando tua boa saúde. Possa Deus dar-te saúde e proteger-te, meu cher petit. Isso me é tão necessário quanto a tua amizade. Sem um e a outra, não posso esperar ter sequer um único dia agradável. 

Não acredites, não acredites, Alfred, que eu possa ser feliz pensando que perdi teu amor. Que importa se fui tua amante ou tua mãe? Que meu amor ou minha amizade te hajam inspirado, que eu tenha sido feliz ou infeliz contigo, nada disso muda meu estado de espírito no momento. Sei que te amo, e isso é tudo. [Três linhas foram apagadas]. Cuidar de ti, preservar-te de todo mal, de qualquer contrariedade, cercar-te de divertimentos e prazeres, isso é tudo de que preciso e sinto falta desde que te perdi. Por que uma tarefa tão doce, que eu teria executado com tanta alegria, torna-se pouco a pouco tão amarga e por fim, subitamente, fica impossível? Que fatalidade transformou em veneno as poções que eu te oferecia? Como é possível que eu, que teria dado todo o meu sangue para proporcionar-te uma noite de repouso e paz, me tornei para ti um tormento, um castigo, um espectro? Quando essas lembranças atrozes me perseguem (e quando elas me deixarão em paz?), fico quase louca. Molho meu travesseiro com lágrimas. Ouço tua voz chamando no silêncio da noite. Quem irá me chamar agora? Quem precisará de minha vigília? Como usarei a força que acumulei para ti e que agora se volta contra mim? Oh, minha criança, minha criança! Como preciso de tua ternura e de teu perdão! Nunca peças meu perdão, nunca digas que me prejudicaste. O que sei eu? Não me lembro de nada, a não ser de que fomos muito infelizes e nos separamos. Porém sei, sinto que nos amaremos por toda a vida, de todo o coração e toda a inteligência, que tentaremos por meio de uma afeição sagrada [palavra apagada] curar-nos mutuamente dos males que nos causamos.

Ai de mim, não! Não foi culpa tua. Obedecemos a nosso destino, pois nossos temperamentos, mais impulsivos que os dos outros, nos impediram de aceitar a vida de enamorados quaisquer. No entanto, nascemos para conhecer e amar um ao outro, tem certeza disso. Se não fosse por tua juventude e pela fraqueza que tuas lágrimas me causaram, certa manhã, teríamos permanecido irmão e irmã...

Estás certo, nossos amplexos eram incestuosos, mas não o sabíamos. Lançamo-nos inocente e sinceramente nos braços um do outro. Bem, então, tivemos uma única lembrança desses amplexos que não tenha sido casta e sagrada? Em um dia de febre e delírio me censuraste por nunca ter-te feito sentir os prazeres do amor. Isso me causou lágrimas e agora estou convencida de haver alguma verdade naquele discurso. Estou bem contente que aqueles prazeres tenham sido mais austeros, mais velados do que os encontrarás em outro lugar. Pelo menos, não te lembrarás de mim quando estiveres nos braços de outra mulher. No entanto, quando estiveres só, quando sentires necessidade de rezar e chorar, pensarás em tua George, tua verdadeira companheira, tua enfermeira, tua amiga ou algo melhor do que tudo isso. Pois o sentimento que nos une é feito de tantas coisas que não se compara a qualquer outro. O mundo nunca irá compreendê-lo. Tanto melhor. Nós nos amamos e podemos ignorar o mundo...

Adieu, adieu, minha querida criança. Escreve-me sempre, eu te peço. Ah, se eu soubesse que chegaste a Paris em segurança e com saúde! 

Lembra que me prometeste cuidar de ti. Adieu, meu Alfred, amor da tua George. 

Peço-te que me mandes 12 pares de luvas acetinadas, seis amarelas e seis coloridas. Acima de tudo, manda-me os versos que escreveste. Todos eles, não tenho nenhum!"

A título de curiosidade, existe um volume, Correspondência de George Sand e Alfred de Musset, com algumas das cartas de amor trocadas entre eles e outros escritos, infelizmente sem tradução para o português. 


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

DOYLE, U. Cartas de amor de mulheres notáveis. Trad. Doralice Lima. 1 ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2011. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário