SOBRE A ARTE DA PALAVRA


De todas as artes a mais bela, a mais expressiva, a mais difícil é sem dúvida a arte da palavra. De todas as mais se entretece e se compõe. São as outras como ancilas e ministras; ela, soberana universal.

Da estatuária toma as formas, da arquitetura imita a regrada estrutura de suas fábricas, da pintura copia a cor e o debuxo de seus quadros; da música aprende a variada sucessão de seus compassos e melodias; e sobre todos estes predicados tem, mais do que as outras artes, a vida, que anima os seus painéis, a paixão, que dá novo esplendor às suas tintas, o movimento, que intima aos que a escutam e admiram o entusiasmo e a persuasão.

Só a palavra, nas artes a que é matéria-prima, fala ao mesmo tempo à fantasia e à razão, ao sentimento e às paixões. Só ela, Pigmalião prodigioso, esculpe estátuas que vão saindo vivas e animadas da pedra ou do madeiro, onde as delineia e arredonda o seu buril. Só a palavra, mais inventiva do que Zêuxis, sabe desenhar e colorir figuras e países, com que se ilude e engana a vista intelectual. Só a palavra, mais audaz que os Ictinos e os Calícrates, traça, dispõe, exorna e arremessa aos ares monumentos mais nobres e ideais que o Partenon de Atenas. Só a palavra, mais comovedora e persuasiva do que o pletro de Orfeu, encadeia à sua lira mágica estas feras humanas ou desumanas, que se chamam homens, arrebatados e enfurecidos nas mais truculentas alucinações.

José Maria Latino Coelho - escritor português 

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