OS MELHORES PREFÁCIOS DA LITERATURA UNIVERSAL - CAMINHANDO NA CHUVA, DE CHARLES KIEFER



COMENTÁRIO PRELIMINAR

Essa mania de escrever tenho há muito tempo, penso que a herdei de meu avô, que não escrevia mas sabia contar histórias como ninguém. Acho que foi ele que meteu isso no meu sangue. Aquelas aventuras todas que ele contava ficaram incrustradas em mim, e agora, depois de vários anos, elas vêm à tona, emergem do passado e, às vezes, nem me deixam dormir! 

Mas não é um livro de aventuras que vou escrever, nem são histórias fantásticas. Tenho a imaginação pobre e não gosto de romances de aventuras, exceto o Dom Quixote de La Mancha. É a minha própria vida que pretendo contar. Recuperar a infância que se foi e a adolescência que nem vi passar. Prometo não ser chato quanto o Proust, que também não tenho saco pra livro muito volumoso. Serei breve, tirarei o sumo das minhas memórias, o bagaço jogo fora, por ser bagaço, e para que sirva, talvez, de adubo.

Há várias formas de contar. Confesso que iniciei em terceira pessoa, tentando me esconder atrás de um narrador onisciente. Daí pensei: pô, todo mundo vai saber que é autobiográfico, todo mundo me conhece... Parti, então, pra primeira pessoa, e acredito que acertei. A história fica mais envolvente, acho que é isso. E mais fácil, principalmente pra mim. Gosto muito do Graciliano Ramos, daquelas frases secas, precisas, sem florilégios. E na primeira pessoa. Claro, não poderei escrever como ele porque tenho o meu estilo e não nasci em Quebrângulo. 

Falar nisso: já está na hora de dizer meu nome, filiação, local de nascimento e essas coisas todas que o autor põe no livro mais pra ficha de leitura do que por outro motivo qualquer. Bem, me chamo Túlio Schuster, nasci no município de Pau-d'Arco, meu pai se chama Carlos e a minha mãe Virgínia. Não tenho irmãos, acho que é por isso que sou meio mimado e me ofendo fácil. Sei que é um defeito desgraçado, mas já fiz de tudo, menos análise porque não acredito nisso, e nem posso, é coisa de ricaço, só pra justificar o dolce-far-niente, como diria um tio meu, casado com minha tia Fredolina, um italiano danado de bebedor de vinho, um vermelho sem-vergonha, contador de piada suja e mentira da grossa. 

Mas, como ia dizendo: me ofendo fácil. Muita vez já briguei por um niques qualquer. Coisinha à-toa, um osso pra irmã (eu que nem tenho irmã não devia me ofender) ou pra mãe. Essas coisas que os gaiatos dizem por deboche, pra atazanar a vida da gente. Ah, mas de uma coisa me orgulho: nunca não levei desaforo pra casa. Mas já levei nariz sangrando, costelas machucadas, hematomas no rosto...

Estava esquecendo um detalhe importante: a descrição física. Sou alto, um metro e oitenta. Tenho o olho azul, o nariz batatudo (acho que meu avô andou de transa com uma índia caingang. Meu pai também tem o nariz batatudo e cara de índio. Como é que alemão pode ter cara de índio?), o cabelo é castanho-escuro. O que mais? os meus lábios? Ah, são carnudos. E o queixo? É forte. Puxa vida! mas o que é que significa "queixo forte"? Isso aí é influência de algum romance que li. Não sei se interessa, mas eis uma coisa que fiz bastante: ler romances. Bom, mas agora já estou entrando na descrição psicológica, não estou? Os livros que alguém leu ajudaram a compor a sua personalidade, não ajudaram? Acho que o homem é um amontoado de leituras, de músicas, de pinturas e de gens. Penso que o meio influencia na formação da personalidade, não influencia? Droga! mas isso é um comentário que devia fazer mais adiante, recém estou começando o livro...

KIEFER, C. Caminhando na chuva. 3 ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1984. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário