Poema narrativo do século VIII, do poeta latino Ovídio, é um compêndio de 15 livros escritos em hexâmetro dactílico em 12 mil versos compostos em latim, que tratam sobre a história do mundo e a cosmologia, utilizando-se da mitologia grega, no qual mistura ficção e realidade, narrando desde o princípio dos tempos até o apogeu de Júlio Cesar, já no tempo do próprio poeta, no Século de Augusto (43 a.C - 14 d.C.).
Seguindo o conceito de Hesíodo, o poeta aborda as quatro idades cronológicas da mitologia clássica, as Idades do Ouro, da Prata, do Bronze do Ferro, unindo livremente os deuses e os mortais em histórias que falam de amor, incesto, ciúme, crime, etc.
Nesta obra, Ovídio popularizou os mitos mais famosos e lembrados da mitologia grega como: Orfeu, Eros, Psique, Zeus, Baco, Afrodite, Narciso, entre outros, permanecendo um dos trabalhos mais aclamados sobre mitologia até hoje e inspirando autores como: Dante, Shakespeare, Kafka, Fernando Pessoa, Cruz e Sousa.
Na passagem abaixo retirada do Livro XV, intitulado Numa. Miscelo. Croton, Pitágoras faz um discurso extremamente poético e filosófico falando sobre a morte. Para ele, a morte não é o fim de tudo, porque o que morre é o corpo e não a alma, pois esta é acolhida por uma nova morada. Por isso, nada se destrói, apenas se transforma.
Pitágoras
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Ó gente atônita pelo terror que lhe inspira o receio da gélida morte! Por que temer o Estige e as trevas, palavras vãs, assunto dos poetas, perigos de um mundo inexistente? Os corpos, quer os tenham destruído as chamas, na fogueira ou a lenta decomposição, nada mais podem sofrer. As almas não morrem, e, sempre que deixam uma morada, são acolhidas por uma nova morada, onde vivem e habitam.
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Tudo se transforma, nada se destrói. O sopro vital erra de cá para lá e ocupa o corpo que lhe apraz; passa do corpo dos animais para o do homem, e do nosso corpo passa para os animais, sem nada perder. Do mesmo modo que a flexível cera pode ser facilmente modelada e não conserva sempre as mesmas formas, também a alma, segundo o meu entendimento, é sempre a mesma, mas emigra para várias figuras.
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E já que vejo levado ao alto-mar e abri as velas aos ventos plenamente, acrescentarei que não há coisa alguma que persista em todo o orbe. Tudo flui, e só apresenta uma imagem passageira. O próprio tempo passa com um movimento contínuo, como um rio. Do mesmo modo que um rio, a hora fugidia não pode deter-se, mas como a água que é empurrada pela água e empurra, por sua vez, a que a precede, assim o tempo foge e é seguido, e é sempre diferente. O que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e todo instante é uma coisa nova. Vedes as noites, próximas do fim, caminharem para o dia, e à claridade do dia suceder a escuridão da noite.
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E então? Não vedes se sucederem as quatro estações do ano, que imitam as idades da nossa vida? Com efeito, a primavera quando surge é bem semelhante à criança, tenra e ainda lactente; então a planta nova, pouco vigorosa, rebenta em brotos, e enche de esperanças o agricultor. Tudo então floresce; o fértil campo resplandece com o colorido das flores, mas ainda falta vigor às folhas. Após a primavera, o ano, mais forte, entra o verão: é a robusta mocidade, não há, com efeito, quadra mais cheia de força, mais fecunda, mais ardente. Chega por sua vez o outono: passou o fervor da mocidade; é a quadra da maturidade, o meio termo entre o jovem e o velho; as têmporas encanecem. Vem depois, o tristonho inverno: é o velho trôpego, cujos cabelos, ou caíram, ou, os que restaram estão brancos. Também os nossos corpos mudam sempre e sem descanso. o que fomos ou o que somos não o seremos amanhã. Houve um dia em que, mera semente, primeira esperança de um homem, repousávamos no ventre de nossa mãe. Intervém a natureza, com suas mãos experientes, não querendo que o nosso corpo fique encerrado, comprimido nas entranhas maternas distendidas, e nos tira de lá para o ar livre.
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E também persiste aquilo que chamamos de elementos. Ensinarei --- prestai atenção! --- os percalços que enfrentam. O mundo eterno contém quatro corpos, que têm a virtude de produzir os outros. Deles, a terra e a água são pesados e o seu peso os impele para baixo; os dois outros carecem de peso e, se nada os detém, eles se elevam; são o ar e o fogo, que é mais puro do que o ar. Conquanto o espaço os separe, esses elementos é que tudo criam e tudo a eles retorna: dissolvida, a terra se dissipa em água líquida, a água, como vapor, de líquida se torna ar e vento; por sua vez, o ar, perdendo o peso, se torna tenuíssimo e sobe para os fogos do céu. Depois, agindo em sentido inverso, os elementos voltam à mesma ordem. O fogo condensado torna-se ar, depois água, e a água, contraindo-se, torna-se terra. Além disso, coisa alguma conserva sempre a mesma aparência, e a natureza renovadora encontra outras formas nas formas das coisas. Nada morre, acreditai-me, no vasto mundo, mas tudo assume aspectos novos e variados. O que se chama nascimento é apenas o começo de um estado diferente do estado anterior, e a morte é o fim de tal estado. Se uma parte vai para aqui, a outra vai para ali, nem por isso a soma de todos deixa de ser constante.
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Na verdade, todos os seres têm a sua origem em outros seres. Existe uma única ave que se regenera e se reproduz por si mesma; os assírios a chamam de fênix. Não se alimenta de grãos ou ervas, mas das lágrimas do incenso e do suco do amono. Logo que completa cinco séculos de vida, nos galhos e no alto de uma oscilante palmeira, constrói um ninho com as garras e o bico imaculado. Forrando-o com folhas de canela e do aromático nardo e pedaços de cinamomo misturados com a fulva mirra, ali se acomoda e termina a vida rodeada de perfumes. (OVÍDIO, p. 280-284, 1983)
OVÍDIO. As Metamorfoses. Trad. David Gomes Jardim Junior. 1 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1983. Coleção Universidade de Bolso.
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