FUNDAMENTOS DA ARTE DE ESCREVER ROTEIRO PARA CINEMA





[...] Personagem, desejo, conflito e coragem. [...] Mais de 90% dos roteiros rejeitados em Hollywood não têm estes quatro componentes essenciais. Pense em um roteiro como uma pirâmide. Personagem, desejo, conflito e coragem estão nos quatro cantos da base da estrutura; eles formam a fundação que apoiará tudo aquilo que acontece no filme. O cume da pirâmide representa seu principal objetivo: emoção. Todo elemento de qualquer roteiro é projetado para maximizar o envolvimento emocional do leitor e da plateia. Sem todos os quatro componentes necessários na sua base, a estrutura desmoronará, e o filme falhará.

[...] O PERSONAGEM é o ponto de entrada do filme para seu leitor/plateia. Ainda que todas as pessoas que povoam sua história sejam importantes, é o herói ou protagonista o motivo da sua real preocupação. Outros personagens servirão para apoiar o desejo do herói ou aumentar o conflito, mas é o seu personagem principal que serve como o veículo para a jornada emocional de qualquer leitor. Sem um herói com quem ele possa se identificar, raiz para envolvimento emocional, uma audiência pode até assistir um filme, mas nunca o experimentará emocionalmente. Eles poderiam ver, poderiam ouvir e poderiam pensar no que acontece, mas eles nunca sentirão isto.

[...] As perguntas que você deve fazer quando desenvolve seus personagens, especialmente seu herói, são: Por que a audiência se preocupará com estas pessoas? Ela vai gostar delas, preocupa-se com elas? Por que alguém passaria duas horas com esses personagens? Eles são engraçados, únicos, ou fascinantes? Eles parecem reais? Eles são tridimensionais, com qualidades que vão além da mera ocupação ou função no enredo? E, mais importante, meu herói é alguém com quem a audiência possa se identificar? Eles estão exercitando a capacidade de se tornar o meu herói em um nível psicológico e experienciar a história como se estivesse acontecendo com eles?

[...] DESEJO é o poder que dirige sua história. Todos os filmes são sobre pessoas que querem algo. Quanto mais interessante, arrebatador e desesperado o desejo, mais envolvida estará a plateia. A maioria dos heróis dos filmes bem sucedidos de hoje tem desejos claros e bem visíveis, com objetivos claramente definidos: os dois policiais em SEVEN querem deter um serial killer; Jim Lovell quer trazer de volta para a Terra a cápsula espacial avariada em APOLLO 13. Mas em alguns filmes, os desejos dos heróis vão além de situação e relação: em UNSTRUNG HEROES o menino quer lidar com a enfermidade de sua mãe vivendo com os seus tios excêntricos; o casal em FORGET PARIS quer resolver sua relação; em biografias como CHAPLIN e GANDHI, os personagens-título passam por uma série de aventuras enquanto perseguem os seus grandes desejos, de sucesso em Hollywood ou independência da Índia.

Estes tipos de roteiros são muito mais difíceis de vender, porque o desejo não está bem visível, a ação não surge da descrição da história, e os filmes dependerão muito mais da profundidade do personagem e execução do enredo. Todavia, mesmo neste caso as histórias ainda são dirigidas pelos desejos dos personagens. E há outro nível de desejo que adiciona crescimento ao personagem e torna-se tema para muitos filmes: o desejo interno do herói por esperança, aceitação, auto estima e amor. A profundidade emocional e textura de filmes como RAIN MAN, THE SHAWSHANK REDEMPTION, SLEEPLESS IN SEATTLE e FORREST GUMP cresce a partir deste nível mais profundo de necessidade e desejo.

A pergunta mais importante que você sempre se fará é "O que quer o meu herói?” Como você mostrará este desejo na tela? O quanto desesperadamente seu herói o deseja? A vida dele nunca estará completa sem realizar seu desejo ou ele poderia passar sem realizá-lo? Por que o leitor se preocupará com este desejo? É único, arrebatador e grande o bastante para agarrar uma plateia na história? E finalmente, "Qual a oposição à realização dos desejos do meu herói?” Porque é a partir da oposição ao desejo que surgirá o conflito que desenvolverá sua história.

CONFLITO. Se o desejo é a força que leva sua história adiante, o conflito é o elemento que extrairá emoção da audiência. Quase todos os momentos de clímax em um filme acontecerão quando os heróis (ou outros personagens principais) enfrentarem obstáculos aparentemente insuperáveis para alcançar seus objetivos. A excitação, suspense, surpresa ou terror de uma corrida, um duelo, uma perseguição de carros ou um monstro crescem a partir da confrontação física; a dor, tristeza ou catarse de um sentimento, uma separação ou uma morte emergem dos conflitos emocionais dos personagens.

O conflito interior dos personagens também aumentará o poder emocional de um roteiro. As próprias fraquezas do herói, medos, inseguranças, ciúme, ignorância e falta de autoestima multiplicarão os obstáculos a ser enfrentados, e envolverão o leitor mais profundamente na história. Igualmente importante, a antecipação do conflito aumenta ainda mais o envolvimento do leitor/espectador em qualquer roteiro. Medo e expectativa crescem a partir da antecipação de perigo, preocupação é a antecipação de alguma perda, e esperança é a antecipação do sucesso.

Em uma comédia, o tom é modificado de forma que as emoções, da mesma forma, contribuam para criar humor. Quando a história envolve humor e piedade, quando uma comédia física retrata dor e sofrimento, e quando a fraqueza de um herói, engano ou impostura é exposta, a plateia reage. E quando são vencidos obstáculos que pareciam impossíveis ultrapassar, a audiência se delicia, com satisfação ou alegria -- o antagonista é derrotado, os amantes se reencontram, o derrotado vence e o mundo torna-se certo novamente.

Assim as perguntas a fazer sobre seu roteiro devem assegurar que o conflito que envolve o herói é sem igual, poderoso e emocionalmente envolvente: Por que parece impossível para meu herói atingir o seu objetivo? O conflito é tão original, tão interessante e tão dominante quanto seja realisticamente possível? Os obstáculos que ele enfrenta aumentam com o progresso de história? Os outros personagens no filme estão procurando realizar os próprios desejos em oposição ao herói? Os obstáculos se antecipam construindo expectativa, humor e/ou excitação? As fraquezas do meu herói e seus conflitos internos aumentam o conflito e a emoção na história? E a resolução de todos estes conflitos é plausível e satisfatória?

O último teste para todos os conflitos enfrentados pelo herói é se eles requerem CORAGEM. Para o leitor se preocupar verdadeiramente com o enredo e com o personagem, o herói deve ser forçado a arriscar tudo o que ele estima e colocar a própria vida em risco. Se ele não estiver morto de medo enquanto luta para alcançar seus objetivos, então o conflito não é grande o bastante, e a audiência estará assistindo o filme em lugar de senti-lo.

Filmes de ação e suspense requerem coragem física. As vidas de heróis estão literalmente na corda bamba e eles devem se apressar para parar ou escapar dos assassinos. Mas na maioria das comédias e em todas as histórias de amor e dramas, os heróis têm que possuir coragem emocional, ou eles sofrerão a perda de tudo que é muito importante para a sua realização como seres humanos. Os heróis de SLEEPLESS IN SEATTLE sofrem o risco emocional da mesma forma que em SPEED e DIE HARD os personagens principais sofrem o risco físico.

[...] Assim, as perguntas finais para dirigir ao seu roteiro são: O que está realmente em jogo para o meu herói? O que verdadeiramente o assusta? O que perderá ele se não alcançar o seu objetivo? Por que faria realmente não atingir o objetivo? O que o força a arriscar tudo para alcançar seus objetivos? Onde ele encontra a coragem necessária para ir em frente? Como o herói se modifica e, em última instância, onde encontra coragem para modificar-se? E como este crescimento e transformação do herói se aplicarão às vidas quotidianas da plateia? Quando o filme tiver terminado, o público sentirá que atingiu o mesmo nível de coragem e temor na medida em que se envolveu com os desejos de meu herói? Em outras palavras, minha história verdadeiramente tocou e mudou minha plateia?

Somente dominando os elementos personagem, desejo, conflito e coragem é que seu roteiro alcançará uma audiência, a tocará emocionalmente e possivelmente atingirá seus mais profundos níveis de emoção e sentimento.

SOBRE O AUTOR:

Michael Hauge. É consultor de histórias e roteiro, autor e conferencista. Trabalha com escritores e cineastas em seus roteiros, romances, filmes e projetos televisivos em Hollywood.




Um comentário:

  1. Escrever um roteiro é mais que escrever um livro, é mais que compor uma musica e é tão importante quanto plantar uma arvore ou gerar um filho, é mais porque pode ser tudo isso, ao mesmo tempo. Parabéns!

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