COMO E POR QUE LER - HAROLD BLOOM


"Leio, logo existo".


Harold Bloom é um dos mais famosos e o mais polêmico crítico literário americano em atividade. Explica-se: admirador ardoroso da cultura clássica, Bloom alia-se a Ítalo Calvino em defesa da leitura (e releitura) dos clássicos da literatura mundial. Com mais de vinte obras publicadas, entre elas, O cânone ocidental e Shakespeare: a invenção do humano, o crítico causou polêmica ao defender nesta última a tese de que o bardo inglês teria sido precursor de Freud na análise da personalidade humana através de seu personagem Hamlet.

Em entrevista concedida à revista Veja, quando do lançamento de Como e por que ler, Bloom afirma que "Freud é essencialmente Shakespeare em forma de prosa", defendendo "uma leitura shakespearana de Freud, e não uma leitura freudiana de Shakespeare".
Neste livro, cujo prefácio é aqui reproduzido e cujo título sugere, Bloom tem como objetivo o ensino da leitura e o encontro da sabedoria, que segundo ele está contida nos clássicos.



PREFÁCIO


Não existe apenas um modo de ler bem, mas existe uma razão precípua por que ler. Nos dias de hoje, a informação é facilmente encontrada, mas onde está a sabedoria? Se tivermos sorte, encontraremos um professor que nos oriente, mas, em última análise, vemo-nos sós, seguindo nosso caminho sem mediadores. Ler bem é um dos grandes prazeres da solidão; ao menos segundo a minha experiência, é o mais benéfico dos prazeres. Ler nos conduz à alteridade, seja à nossa própria ou à de nossos amigos, presentes ou futuros.
Literatura de ficção é alteridade e, portanto, alivia a solidão. Lemos não apenas porque, na vida real, jamais conheceremos tantas pessoas como através da leitura, mas, também, porque amizades são frágeis, propensas a diminuir em número, a desaparecer, a sucumbir em decorrência da distância, do tempo, das divergências, dos desafetos da vida familiar e amorosa.
Este livro ensina como e por que ler, recorrendo a inúmeros exemplos de obras literárias: poemas (curtos e longos), contos, romances e peças teatrais. As obras selecionadas não devem ser vistas como um roteiro exclusivo de leituras, mas como uma amostragem de textos capazes de ilustrar por que ler. A crítica literária, conforme aprendi a entendê-la, deve ser experimental e pragmática, e não teórica. Os críticos que considero meus mestres - especialmente Samuel Johnson e William Hazlitt - exercem seu ofício no sentido de explicitar, com elegância, o que está implícito na obra analisada.
No presente estudo, ao analisar um poema lírico de A. E. Housman ou uma peça de Oscar Wilde, um conto de Jorge Luis Borges ou um romance de Marcel Proust, procuro, acima de tudo, perceber e articular o que pode e deve ser explicitado. Uma vez que, para mim, a questão "como ler" está sempre relacionada aos motivos e às aplicações da leitura, jamais separarei "como" de "por que" ler.
Virgínia Woolf, no ensaio "Como ler um livro?", que encerra o estudo O Segundo Leitor Comum, indaga, com muita graça: "Na verdade, o único conselho que se pode dar a alguém com respeito à leitura é não aceitar conselho algum". No entanto, no mesmo ensaio, ela apresenta uma série de preceitos que visam a garantir a liberdade do leitor, e que culminam na pergunta: "Onde começar?" Para chegar ao máximo prazer da leitura, "não devemos desperdiçar nossas forças, lendo de modo errático e desavisado". Portanto, enquanto não amadurecermos como leitores, algum aconselhamento sobre leitura pode ser-nos útil, talvez, até mesmo essencial.
A própria Woolf buscara o conselho acima em Walter Pater (cuja irmã fora sua preceptora), em Johnson e nos críticos do Período Romântico - Thomas De Quincey e William Hazlitt; a respeito deste último, Woolf observa, com grande discernimento: "Trata-se de um daqueles raros críticos que de tanto refletirem podem prescindir da leitura". Woolf refletia incessantemente, mas jamais deixaria de ler.
A escritora oferecia aos leitores muitos conselhos, os quais, com prazer, busco seguir neste livro. Sua melhor contribuição é o lembrete: "Temos sempre dentro de nós um demônio que sussurra em nossos ouvidos - 'detesto, gosto' - e somos incapazes de silenciá-lo". Não consigo silenciar o demônio que trago dentro de mim, mas neste livro só lhe darei ouvidos quando disser "gosto", pois não pretendo aqui suscitar polêmica, apenas ensinar a ler.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BLOOM, Harold. Como e por que ler. 1 ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

Um comentário:

  1. RECOMENDO VIVAMENTE - UMA GRANDE OBRA PARA ENTENDER AS OUTRAS

    Luiz Afonso Costa de Medeiros

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