OS MELHORES PREFÁCIOS DA LITERATURA UNIVERSAL - A MORENINHA, DE JOAQUIM MANUEL DE MACEDO



                                                           DUAS PALAVRAS

Eis aí vão algumas páginas escritas, às quais me atrevi a dar o nome de --- Romance. Não foi ele movido por nenhuma dessas três poderosas inspirações que tantas vezes soem aparar as penas dos autores: glória, amor e interesse. Deste último estou eu bem a coberto com meus vinte e três anos de idade, que não é na juventude que pode ele dirigir o homem; da glória, só se andasse ela caída de suas alturas, rojando asas quebradas, me lembraria eu, tão pela terra que rastejo, de pretender ir apanhá-la.

A respeito do amor não falemos, pois se me estivesse o buliçoso a fazer cócegas no coração, bem sabia eu que mais proveitoso me seria gastar meia dúzia de semanas aprendendo numa sala de dança, do que velar trinta noites garatujando o que por aí vai. Este pequeno romance deve sua existência somente aos dias de desenfado e folga que passei no belo Itaboraí, durante as férias do ano passado. Longe do bulício da corte e quase em ócio, a minha imaginação assentou lá consigo que bom ensejo era esse de fazer travessuras e em resultado delas saiu --- a Moreninha.

Dir-me-ão que o ser a minha imaginação traquinas não é um motivo plausível para vir eu maçar a paciência dos leitores com uma composição balda de merecimento e cheia de irregularidades e defeitos; mas o que querem? Quem escreve olha a sua obra como seu filho e todo mundo sabe que o pai acha sempre graças e bondades na querida prole.

Do que vem dito concluir-se-á que a Moreninha é minha filha, e exatamente assim penso eu. Pode ser que me acusem por não tê-la conservado debaixo de minhas vistas mais tempo, para corrigir suas imperfeições; e mostrá-la depois digna do amor dos leitores: esse era o meu primeiro intento. A Moreninha não é a única filha que possuo: tem três irmãos que pretendo educar com esmero; o mesmo faria a ela; porém, esta menina saiu tão travessa, tão impertinente, que não pude mais sofreá-la no seu berço de carteira e, para ver-me livre dela, venho depositá-la nas mãos do público, de cuja benignidade e paciência tenho ouvido grandes elogios.

Eu, pois, conto que, não esquecendo a fama antiga, o público a receba e lhe perdoe seus senões, maus modos e leviandades. É uma criança que terá, quando muito, seis meses de idade, merece a compaixão que por ela imploro; mas, se lhe notarem graves defeitos de educação, que provenham da ignorância do pai, rogo que não os deixem passar por alto; acusem-nos, que daí tirarei eu muito proveito, criando e educando melhor os irmãozinhos que a Moreninha tem cá. 

E tu, filha minha, vai com a bênção paterna e queira os céus que ditosa sejas; nem por seres traquinas te estimo menos, e, como prova, vou, em despedida, dar-te um precioso conselho: --- recebe, filha, com gratidão, a crítica do homem instruído; não chores se com a unha marcarem o lugar em que tiveres mais notável senão, e quando te disserem que por este erro ou aquela falta não és boa menina, jamais te arrepies; antes agradece e anima-te sempre com as palavras do velho poeta:

"Deixa-te repreender de quem bem te ama,

Que, ou te aproveita ou quer aproveitar-te". 


MACEDO, de M. J. A Moreninha. 1 ed. Barcelona: Sol90, 2004. 

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