MINHA HISTÓRIA COM MEUS LIVROS - CAPÍTULO 5 - LITERATURA ESTRANGEIRA 1





Aqui encontram-se os primeiros livros de Literatura Estrangeira, que fui adquirindo ao longo do caminho. Madame Bovary (que trata do tema adultério lá no século XIX) do Flaubert, foi o primeiro deles, assim que ouvi falar do livro e tomei conhecimento de seu enredo. Meu número! 

Me lembro que por algum motivo no primeiro ano de faculdade, a mesma Prof.ª Rosana, da disciplina de Literatura Brasileira citou o livro e obviamente fiquei curiosíssima para lê-lo! Eu não tinha dinheiro para comprá-lo novo. Mas eu sabia que podia ir a um sebo e trocar por algum livro meu. 

Então comentei o fato com meu colega M. e ele me levou ao primeiro sebo que conheci em Curitiba (o qual infelizmente fechou suas portas), na Travessa Jesuíno Marcondes, onde pude fazer a troca. Não sei se fiz besteira ou não, o fato é que troquei a peça Orfeu da Conceição, do Vinicius de Moraes por Madame Bovary.

Mas o caso é que Orfeu da Conceição tecnicamente não era meu. O livro era (ou não era) de uma ex-colega do meu 3º ano do Ensino Médio. Por quê? Porque no ano em que terminei o Ensino Médio, eu e alguns ex-colegas resolvemos fazer uma pequena festa de encerramento do ano em minha casa, porque afinal, todos iríamos finalmente para uma nova etapa da vida: a faculdade, tão sonhada por alguns e não desejada por outros. 

Então, tivemos a meiga ideia de fazer um amigo-secreto já para comemorar o Natal que se aproximava. Eu ganhei um bichinho de pelúcia (um coelhinho mais precisamente e que guardo até hoje) e uma determinada colega,  a V. foi presenteada pela pessoa que a tirou como amiga secreta, a F., justamente com esse livro do Vinicius.  

O fato é que na hora da revelação, quando V. abriu o presente e descobriu que era o livro, simplesmente teve um chilique inexplicável e fez uma cara de decepção, desfazendo do presente como se não tivesse gostado de recebê-lo, criando uma situação constrangedora não só para ambas,  mas para todos nós que presenciamos a cena patética e desnecessária. F., logicamente não sabia o que fazer e num ato meio que de desespero, ofereceu-se rapidamente para trocar o livro por qualquer outro título que V. escolhesse, mas esta pareceu totalmente desinteressada pela proposta. 

Resultado: ao término da pequena reunião, ao resolver ir para casa, V. decidindo que realmente não gostara do presente, o deixou de lado jogado em cima do meu sofá da sala. E F., sentindo-se naturalmente ultrajada também decidiu que não valia a pena trocar o livro para uma pessoa tão ingrata e tão deselegante na hora de receber um presente e, assim,  o livro acabou sobrando para mim. 

Até o momento não consegui decidir bem se sinto um pequeno resquício de culpa ou não, uma vez que a obra poética de Vinicius que me levou para os caminhos da Poesia. Mas ao mesmo tempo não tinha como não adquirir Flaubert!

Já o outro livro da foto, Sílvia (de Gerard de Nerval, um autor também francês), foi citado por Umberto Eco, nos seus Seis passeios pelos bosques da ficção como um exemplo de autor-modelo que procura criar uma simetria com um leitor-modelo, entre outros conceitos do teórico italiano. Obviamente que não podia deixar de conferir a obra para entender como se dá isso em seu enredo. 

Uma coisa sei que é certa: foi a partir daí que só aumentou meu interesse por Literatura Francesa. 



OS MELHORES PREFÁCIOS DA LITERATURA UNIVERSAL - PAMELA, de SAMUEL RICHARDSON





Com a intenção de divertir e distrair e, ao mesmo tempo, instruir e aperfeiçoar a mente dos JOVENS de ambos os sexos;

Com a intenção de ensinar religião e moralidade de uma maneira tão fácil e agradável que seja capaz, ao mesmo tempo, de torná-las prazerosas e proveitosas;

Com a intenção de explicar, da forma mais clara possível, os deveres paternos, filiais e sociais;

Com a intenção de pintar os maus hábitos com as cores que lhes cabem, de modo a lhes tornar merecidamente odiosos, e de apresentar a virtude com sua própria luz afável de modo a fazer com que pareça atraente;

Com a intenção de retratar personalidades com imparcialidade e de apoiá-las com clareza;

Com a intenção de colocar à mostra a angústia de causas naturais e de estimular a compaixão apenas de alguns;

Com a intenção de ensinar ao homem próspero como usar sua fortuna, ao homem apaixonado como dominar sua paixão, e ao homem maledicente como se regenerar de um modo elegante e digno;

Com a intenção de dar exemplos práticos e adequados a serem seguidos pela virgem, pela noiva e pela esposa em situações mais críticas e aflitivas;

Com a intenção de atingir bons resultados da maneira mais provável, mais natural e mais ágil, como o entusiasmo que deve envolver cada leitor sensato, e manter sua atenção na história;

E tudo sem levantar a mais simples dúvida sobre o conteúdo que possa chocar a pureza mais escrupulosa, mesmo nos momentos mais ardentes em que esta pureza venha a se sentir mais apreensiva.

Se essas recomendações são louváveis e valerem a pena, o editor das cartas seguintes, baseadas tanto na Verdade quanto na Natureza, se arrisca a afirmar que todas as intenções reunidas podem ser alcançadas aqui. 

Portanto, confiante da recepção favorável com que se arrisca a indicar esse seu pequeno trabalho, julga desnecessária qualquer apologia a ele, por dois motivos: primeiro por poder recorrer à sua própria paixão (àquela a que tem sido levado a examinar detalhadamente) e às paixões de todos os que venham a lê-lo com atenção, e depois porque o editor pôde julgá-lo com a imparcialidade que raramente um autor costuma ter. 


RICHARDSON, S. Pamela ou a virtude recompensada. Trad. Carlos Duarte; Anna Duarte. 1 ed. São Paulo: Martin Claret, 2016.  

NOSTALGIA - SÉRIE VAGA-LUME DA EDITORA ÁTICA





HISTÓRIA

Em janeiro de 1973, a Editora Ática lançou uma coleção de livros infanto-juvenis chamada Série Vaga-Lume. O objetivo era oferecer literatura de qualidade para incentivar esse público a tomar gosto pela leitura. Para que ficasse um projeto mais atrativo, muitos autores, incluindo aqueles conhecidos por escrever outros gêneros ou obras voltadas para outros tipos de leitores foram convidados a participar.

A coleção foi tão bem recebida pelo público, que muitas escolas passaram a indicar a leitura das obras para seus alunos. Com mais de cem títulos no catálogo, a Série superou oito milhões de exemplares vendidos até o ano de 2021. E mesmo depois de décadas da primeira edição, "a maioria dos livros ainda hoje têm a mesma ilustração de capa da já clássica primeira edição", como explica a editora de livros juvenis da Editora Ática, Carla Bitelli. 

Entre os títulos mais vendidos estão: O escaravelho do Diabo (de Lúcia Machado de Almeida, lançado em 1956 como um folhetim da revista O Cruzeiro), O mistério do Cinco Estrelas (de Marcos Rey), A ilha perdida (de Maria José Dupré), A turma da Rua Quinze (de Marçal Aquino) e Meninos sem pátria (de Luiz Puntel).

Você que conhece a coleção, qual (is) é (são) seu (s) preferido (s)? E para quem não conhece fica a dica! 

Lista de livros publicados

VolumeTítuloAutorAno de publicação
1A ilha perdidaMaria José Dupré1973
2Cabra das RocasHomero Homem1973
3Coração de OnçaOfélia Fontes e Narbal Fontes1973
4Éramos SeisMaria José Dupré1973
5O Escaravelho do DiaboLúcia Machado de Almeida1974
6O Gigante de BotasOfélia Fontes e Narbal Fontes1974
7O Caso da Borboleta AtíriaLúcia Machado de Almeida1975
8Cem noites TapuiasOfélia Fontes e Narbal Fontes1976
9Menino de AsasHomero Homem1977
10TonicoJosé Rezende Filho1978
11SpharionLúcia Machado de Almeida1979
12A Serra dos Dois MeninosA. Fraga Lima1980
13O Mistério do Cinco EstrelasMarcos Rey1981
14Zezinho, o dono da porquinha pretaJair Vitória1981
15O Feijão e o SonhoOrígenes Lessa1981
16Aventuras de XistoLúcia Machado de Almeida1982
17O rapto do Garoto de OuroMarcos Rey1982
18Xisto no espaçoLúcia Machado de Almeida1982
19Tonico e CarniçaFrancisco de Assis Almeida Brasil e José Rezende Filho1982
20Um Cadáver Ouve RádioMarcos Rey1983
21Xisto e o Pássaro CósmicoLúcia Machado de Almeida1983
22A Primeira ReportagemSylvio Pereira1983
23Sozinha no MundoMarcos Rey1984
24Os Pequenos JangadeirosAristides Fraga Lima1984
25Os Barcos de PapelJosé Maviael Monteiro1984
26Deus me Livre!Luiz Puntel1984
27O Mistério dos Morros DouradosFrancisco Marins1985
28Dinheiro do céuMarcos Rey1985
29Perigos no MarAristides Fraga Lima1985
30A Grande FugaSylvio Pereira1985
31Bem-vindos ao RioMarcos Rey1986
32Pega LadrãoLuiz Galdino1986
33Açúcar AmargoLuiz Puntel1986
34O Outro Lado da IlhaJosé Maviael Monteiro1986
35Enigma na TelevisãoMarcos Rey1987
36Os Passageiros do FuturoWilson Rocha1987
37Meninos sem PátriaLuiz Puntel1988
38A Montanha das Duas CabeçasFrancisco Marins1988
39O Ninho dos GaviõesJosé Maviael Monteiro1988
40Garra de CampeãoMarcos Rey1988
41A Vida Secreta de JonasLuiz Galdino1989
42Aventura no Império do SolSilvia Cintra Franco1989
43Quem Manda já MorreuMarcos Rey1989
44A Turma da Rua QuinzeMarçal Aquino1989
45Na Barreira do InfernoSilvia Cintra Franco1990
46Um Leão em FamíliaLuiz Puntel1990
47Corrida InfernalMarcos Rey1990
48Na Mira do VampiroLopes dos Santos1990
49A Árvore que Dava DinheiroDomingos Pellegrini1991
50A Maldição do Tesouro do FaraóSérsi Bardari1991
51O Desafio do PantanalSilvia Cintra Franco1991
52Na Rota do PerigoMarcos Rey1991
53Ameaça nas Trilhas do TarôSérsi Bardari1992
54O Jogo do CamaleãoMarçal Aquino1992
55Tráfico de AnjosLuiz Puntel1992
56Um Rosto no ComputadorMarcos Rey1992
57O Fantasma de Tio WilliamRubens Francisco Lucchetti1992
58Confusões & CalafriosSilvia Cintra Franco1992
59Um Gnomo na Minha HortaWilson Rocha1993
60Office-boy em ApurosBosco Brasil1993
61Doze Horas de TerrorMarcos Rey1993
62O Segredo dos Sinais MágicosSérsi Bardari1993
63A Aldeia SagradaFrancisco Marins1993
64O Mistério da Cidade-FantasmaMarçal Aquino1994
65Agitação à Beira-marLeusa Araujo1994
66O Brinquedo MisteriosoLuiz Galdino1994
67Um Inimigo em Cada EsquinaRaul Drewnick1994
68O Diabo no Porta-malasMarcos Rey1995
69O Fabricante de TerremotosWilson Rocha1995
70Viagem pelo Ombro da Minha JaquetaLô Galasso1995
71Em Busca do DiamanteFrancisco Marins1995
72A Vingança da CobraMarcos Bagno1995
73Vencer ou VencerRaul Drewnick1995
74O Primeiro Amor e Outros PerigosMarçal Aquino1996
75O Super TênisIvan Jaf1996
76A Charada do Sol e da ChuvaLuiz Galdino1996
77Terror na FestaJanaína Amado1996
78Gincana da MorteMarcos Rey1997
79Jogo SujoMarcelo Duarte1997
80Missão no OrienteLuiz Puntel1997
81O Preço da CoragemRaul Drewnick1997
82A Magia da Árvore LuminosaRosana Bond1998
83Segura, peão!Luiz Galdino1998
84A Grande ViradaRaul Drewnick1999
85A Guerra do LancheLourenço Cazarré1999
86O Robô que Virou GenteIvan Jaf1999
87Nas Ondas do SurfeEdith Modesto2000
88Operação Nova YorkLuiz Antonio Aguiar2000
89Correndo Contra o DestinoRaul Drewnick2001
90Deu a Louca no TempoMarcelo Duarte2001
91Tem Lagartixa no ComputadorMarcelo Duarte2001
92Crescer é uma AventuraRosana Bond2002
93S.O.S. Ararinha-azulEdith Modesto2002
94Manobra RadicalEdith Modesto2003
95Na Ilha do DragãoMaristel Alves dos Santos2003
96O Ouro do FantasmaManuel Filho2004
97A Noite dos Quatro furacõesRaul Drewnick2005
98O Grito do Hip-HopFátima Chaguri e Luiz Puntel2005
99O Segredo dos ÍndiosEdith Modesto2005
100O Senhor da ÁguaRosana Bond2006
101A Chave do CorsárioEliana Martins2007
102Morte no ColégioLuis Eduardo Matta2007
103Salvando a PeleMário Teixeira2007
104O Mestre dos Games[5]Afonso Machado2008
105Ponha-se no Seu Lugar[6]Ana Pacheco2020
106Os Marcianos[6]Luiz Antônio Aguiar2021

FONTE DE PESQUISA:

Wikipedia. Em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9rie_Vaga-Lume> Acesso em 23/02/2024



 

OS MANUSCRITOS PERDIDOS DE CHARLOTTE BRONTE

 




Passeando num shopping da cidade despretensiosamente em plena segunda-feira de Carnaval ao levar meu filho em um bailinho para crianças, eis que me deparo com uma pequena livraria a céu aberto. Obviamente que aquilo chamou minha atenção. E, assim, ao deixar marido e filho na área de diversão e recreação do shopping rumei sem pensar duas vezes para lá. Meu objetivo era tentar descobrir alguma relíquia perdida no meio daqueles "livros da moda" e baratos (best-sellers e pseudoauto-ajudas da vida) que eles costumam vender nesses pequenos stands no meio de shoppings e supermercados. 

E eis que para minha surpresa depois de me deparar com alguns clássicos e outros filosóficos (e separar alguns) e andar pelo espaço por duas vezes, de repente esbarro num Charlotte Bronte capa dura e tudo! A princípio pensei se tratar do velho e bom Jane Eyre, que eu já tenho. Mas olhando bem o livro percebi que era uma relíquia da qual não tinha conhecimento: OS MANUSCRITOS PERDIDOS DE CHARLOTTE BRONTE! Pensei logo comigo: --- de que se trata isso?!

Mais uma vez sem pensar duas vezes tratei logo de catar o livro para mim antes que algum outro caçador de relíquias (apesar de ser difícil encontrá-los em shoppings) surgisse do nada e disputasse essa comigo. Por estar plastificado e ter ainda um compromisso a cumprir com a criança, só pude examinar seu conteúdo mais detalhadamente mais tarde quando cheguei em casa. 

Para minha surpresa maior ainda trata-se de uns manuscritos de contos escritos por Charlotte bem antes da publicação de Jane Eyre, datados de sua adolescência. Mas se engana quem pensa que a surpresa para por aí. Tais manuscritos foram encontrados dentro de um livro antigo (The remains of Henry Kirke White, de um jovem poeta falecido aos 21 anos) que pertenceu à mãe das irmãs Bronte (Maria Branwell) entre 1810 até sua morte em 1821 e que após o falecimento precoce de toda a família entre os anos de 1825 e 1861, saiu de Haworth, na Inglaterra (residência dos Bronte), em 1869 para circular pelos Estados Unidos por quase 150 anos (!) nas mãos de diversos colecionadores até voltar em definitivo para o Bronte Personage Museum em 2016.

O Bronte Personage Museum administrado pela Sociedade Bronte (organização mundial fundada em 1893) é um museu criado em Haworth para preservar a história da família Bronte, onde estão reunidos objetos pessoais, móveis e manuscritos pertencentes a eles. A Sociedade além de preservar a memória da família de autoras famosas da Literatura Universal, oferece bolsas de estudos para a compreensão de suas vidas e obras, um programa de artes contemporâneas, explorando suas ligações com a literatura "e encontrando novas formas de analisar e trabalhar a coleção". 

E as curiosidades do livro não param por aí! Ao adquirir a obra do jovem poeta lá em 1810, Maria a levou para casa e a guardou em segurança até que em 1812 com a morte de seu pai em Penzance, na Cornualha, a decisão de passar a residir com uma tia em Yorkshire e mais o casamento relâmpago com Patrick Bronte a levaram a pedir que fossem despachados todo o resto de seus pertences em um baú por um navio que deveria chegar são e salvo em seu destino. Entretanto, não foi bem o que aconteceu. Em algum momento da viagem o navio sofreu um quase naufrágio e os pertences de Maria foram praticamente todos destruídos, restando apenas o livro e poucos outros objetos para que pudesse começar sua vida matrimonial com o Reverendo Patrick. 

Logo, o livro passou a ter um grande valor sentimental para ela e posteriormente para Patrick e os filhos, que passaram a fazer inúmeras anotações, dedicatórias, marcações e desenhos em suas páginas. Mas o que continua sendo um grande mistério é como os manuscritos da jovem Charlotte foram parar no meio do livro, visto que não fora seu pai que os colocara ali e tendo passado por inúmeras mãos de colecionadores por tantos anos desde o primeiro leilão realizado em 1861, após a morte de Patrick. É um mistério que os estudiosos da obra das irmãs Bronte ainda tentam descobrir. 

E, como se vê, o livro pertencente à Maria Branwell sobreviveu a uma verdadeira epopeia para chegar são e salvo até os nossos dias. 

P.S: Para quem quiser mais informações sobre a Sociedade e o Bronte Museum, basta acessar os seguintes sites:

 1) www.bronte.org.uk/support-us 

2) www.bronte.org.uk/bronte-shop


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

DINSDALE, A. & others. Os manuscritos perdidos de Charlotte Bronte. Trad. Thereza Christina Rocque da Motta. 1 ed. São Paulo: Faro Editorial, 2019.  

MANEIRA DE BEM SONHAR DOS METAFÍSICOS - FERNANDO PESSOA

 


A melhor maneira de começar a sonhar é mediante livros. Os romances servem de muito para o principiante. Aprender a entregar-se totalmente à leitura, a viver absolutamente com as personagens de um romance, eis o primeiro passo. Que a nossa família e as suas mágoas nos pareçam chilras e nojentas ao lado dessas, eis o sinal do progresso.

É preciso evitar ler romances literários onde a atenção seja desviada para a forma do romance. Não tenho vergonha em confessar que assim comecei. [...] Nunca pude ler romances amorosos detidamente. Mas isso é uma questão pessoal, por não ter feitio de amoroso, nem mesmo em sonhos. Cada qual cultive, porém, o feitio que tiver. Recordemo-nos sempre de que sonhar é procurarmo-nos. O sensual deverá, para suas leituras, escolher as opostas às que foram as minhas.

Quando a sensação física chega, pode dizer-se que o sonhador passou além do primeiro grau do sonho. Isto é, quando um romance sobre combates, fugas, batalhas, nos deixa o corpo realmente moído, as pernas cansadas... o primeiro grau está assegurado. No caso do sensual, deverá ele --- sem receber a imagem mais que mentalmente --- ter uma ejaculação quando um momento desses chegar no romance.

Depois procurará trazer tudo isso para o mental. A ejaculação, no caso do sensual (que escolho para exemplo, porque é o mais violento e frisante) deverá ser sentida sem se ter dado. O cansaço será muito maior, mas o prazer é completamente mais intenso. 

EXCERTO DE:

PESSOA, Fernando. O livro do desassossego. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 

OS MELHORES PREFÁCIOS DA LITERATURA UNIVERSAL - MRS. DALLOWAY, DE VIRGINIA WOOLF



 

É difícil --- talvez impossível --- a um escritor dizer qualquer coisa sobre sua obra. Tudo o que ele tem a dizer, já disse da maneira mais completa, da melhor maneira que lhe é possível, no corpo do próprio livro. Se não conseguiu deixar claro o que pretendia dizer, é pouco provável que consiga num prefácio ou num posfácio de algumas páginas. E a mente do autor tem outra característica que também é avessa à introduções. É inóspita para sua cria como uma pardoca com seus filhotes. Depois que as avezinhas aprendem a voar, têm de voar; quando saem do ninho, a mãe começa talvez a pensar em outra prole. Da mesma forma, depois de impresso e publicado, um livro deixa de ser propriedade do autor; este o confia ao cuidado dos outros; toda a sua atenção é demandada por algum novo livro, que não só expulsa o predecessor do ninho, como também costuma denegrir sutilmente o caráter do outro em comparação ao dele mesmo.

É verdade que o autor, se quiser, pode nos contar alguma coisa de si e de sua vida que não está no romance; e é algo que devemos incentivar. Pois não existe nada mais fascinante do que se enxergar a verdade por trás daquelas imensas fachadas de ficção --- isso se a vida for de fato fictícia. E provavelmente a ligação entre ambas é de extrema complexidade. Livros são flores ou frutas pendentes aqui e ali numa árvore com raízes profundas na terra de nossos primeiros anos, de nossas primeiras experiências. Mas, aqui também, para contar ao leitor alguma coisa que sua imaginação e percepção ainda não descobriu, seria necessário não um prefácio de uma ou duas páginas, e sim uma autobiografia em um ou dois volumes. Devagar, com cuidado, o autor se lançaria ao trabalho, desenterrando, desnudando, e, mesmo depois de trazer tudo à superfície, ainda caberia ao leitor decidir o que importaria e o que não importaria. Assim, quanto a Mrs. Dalloway, a única coisa possível no momento é trazer à luz alguns pequenos fragmentos, de pouca ou talvez nenhuma importância: por exemplo, que Septimus, que depois se tornaria o duplo dela, não existia na primeira versão; e que Mrs. Dalloway, originalmente, ia se matar ou talvez apenas morrer no final da festa. Esses fragmentos são humildemente oferecidos ao leitor, na esperança de que, como outras miudezas, possam ser úteis.

Mas, se temos demasiado respeito pelo leitor puro e simples para lhe apontar o que deixou passar ou lhe sugerir o que deve procurar, podemos falar de modo mais explícito ao leitor que despiu sua inocência e se tornou crítico. Pois, ainda que se deva aceitar em silêncio a crítica, seja positiva ou negativa, como o legítimo comentário a que convida o ato da publicação, de vez em quando aparece alguma afirmação que não se refere aos méritos ou deméritos do livro e que o escritor sabe que é equivocada. É uma afirmação dessas que se tem feito sobre Mrs. Dalloway com frequência suficiente para merecer talvez uma objeção. Disseram que o livro era fruto deliberado de um método. Disseram que a autora, insatisfeita com a forma de ficção em voga na época, decidira pedir, tomar emprestado, roubar ou mesmo criar outra forma própria. Mas, até onde é possível ser honesto sobre o misterioso processo mental, os fatos são outros. Insatisfeita, a escritora podia estar; mas sua insatisfação se dirigia basicamente à natureza, por dar uma ideia sem lhe prover uma casa onde pudesse morar. 

Os romancistas da geração anterior não ajudaram muito --- aliás, por que haveriam de ajudar? Evidentemente, a morada era o romance, mas ele parecia construído sobre o projeto errado. A essa ressalva, a ideia começou, como começa a ostra ou o caracol, a secretar uma casa própria. E assim procedeu sem nenhum rumo consciente. O caderninho que abrigava uma tentativa de montar um projeto logo foi abandonado e o livro cresceu dia a dia, semana a semana, sem projeto nenhum, exceto o que era determinado a cada manhã na atividade de escrever. Desnecessário dizer que a outra maneira --- construir uma casa e depois morar nela, desenvolver uma teoria e então aplicá-la, como fizeram Wordsworth e Coleridge --- é igualmente boa e muito mais filosófica. Mas, no presente caso, foi necessário antes escrever o livro e depois inventar uma teoria. Se, porém, assinalo este ponto específico dos métodos do livro para discussão, é pela razão citada: porque se tornou tema de comentário entre os críticos, e não porque mereça atenção em si. Pelo contrário, quanto mais bem-sucedido o método, menos atenção ele atrai. O que se espera é que o leitor não dedique nenhum pensamento ao método ou à falta de método do livro. O que lhe diz respeito é apenas o efeito do livro como um todo em sua mente. Desta questão, a mais importante de todas, ele é um juiz muito melhor do que o escritor. Na verdade, tendo tempo e liberdade para moldar sua própria opinião, ao fim e ao cabo ele é um juiz infalível. E a ele, então, que a escritora entrega Mrs. Dalloway e sai do tribunal confiante de que o veredito, seja a morte imediata ou alguns anos mais de vida e liberdade, em qualquer dos casos será justo. 

Londres, junho de 1928.  

WOOLF, V. Mrs. Dalloway. Trad. Denise Bottmann. 1 ed. Porto Alegre: L&PM, 2019. 

MINHA HISTÓRIA COM MEUS LIVROS - CAPÍTULO 4 - LITERATURA BRASILEIRA




Entre outros livros, nesta prateleira se destaca a coleção de Clarice Lispector, na qual se incluem as seguintes obras: A legião estrangeira; Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres; Perto do coração selvagem; A paixão segundo G.H; A maçã no escuro e o calhamaço Todos os contos. Esta coleção lançada pela Editora Rocco em 2016, se não me engano, foi-me presenteada por meu marido em meu aniversário, mas confesso que só li A hora da estrela (romance) para um trabalho de faculdade e Felicidade clandestina (contos),  quando cursava ainda o ensino médio.

Logo, não li nenhum dos outros ainda, pois Clarice é muito visceral, vai no âmago das coisas. Ler um livro dela é como levar um soco no estômago. Não estou preparada física e psicologicamente para travar essa luta e levar tantos socos em sequência. É preciso muita calma nessa hora. Muito treino e concentração para apanhar cada tentativa de, e cada golpe que ela desfere. Clarice pode nos levar a nocaute. Facilmente. 

Também destaco, Ópera dos mortos, do Autran Dourado, que fala de amor e destino, e Fogo morto, do José Lins do Rego, que trata da decadência dos engenhos de açúcar no Nordeste. Dois livros que li ainda no ensino médio e que me impressionaram bastante. O primeiro li por pura curiosidade, coisa de rato de biblioteca; o segundo porque foi citado e comentado nas aulas de Literatura da professora loira e de olhos azuis, muito bonita, da qual infelizmente esqueci o nome e eu fui atrás para ler. 

Há também nesta prateleira o meu amado e estimado Grande sertão: veredas, do grande Guimarães Rosa, livro pelo qual me apaixonei na pós-graduação em Teoria Literária e  que acabou se tornando um dos objetos de estudo do meu TCC juntamente com Aparição,  do autor-filósofo português, Vergílio Ferreira. 

Não posso esquecer também de dois dos primeiros livros que começaram esta prateleira lá em 1984, se não me falha a memória: Caminhando na chuva (sobre as aventuras de infância e adolescência do jovem Tulio no interior do Rio Grande do Sul), do autor gaúcho e meu conterrâneo, Charles Kiefer e O Quinze (que trata da questão da seca no Nordeste) da cearense Rachel de Queiroz (primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras em 1977).

Tais livros pertenciam ao meu querido e, infelizmente, falecido irmão, que diferente de mim, preferiu se embrenhar nos caminhos da matemática e da engenharia. 

AS METAMORPHOSES DE OVÍDIO





Poema narrativo do século VIII, do poeta latino Ovídio, é um compêndio de 15 livros escritos em hexâmetro dactílico em 12 mil versos compostos em latim, que tratam sobre a história do mundo e a cosmologia, utilizando-se da mitologia grega, no qual mistura ficção e realidade, narrando desde o princípio dos tempos até o apogeu de Júlio Cesar, já no tempo do próprio poeta, no Século de Augusto (43 a.C - 14 d.C.). 

Seguindo o conceito de Hesíodo, o poeta aborda as quatro idades cronológicas da mitologia clássica, as Idades do Ouro, da Prata, do Bronze do Ferro, unindo livremente os deuses e os mortais em histórias que falam de amor, incesto, ciúme, crime, etc. 

Nesta obra, Ovídio popularizou os mitos mais famosos e lembrados da mitologia grega como: Orfeu, Eros, Psique, Zeus, Baco, Afrodite, Narciso, entre outros, permanecendo  um dos trabalhos mais aclamados sobre mitologia até hoje e inspirando autores como: Dante, Shakespeare, Kafka, Fernando Pessoa, Cruz e Sousa. 

Na passagem abaixo retirada do Livro XV, intitulado Numa. Miscelo. Croton, Pitágoras faz um discurso extremamente poético e filosófico falando sobre a morte. Para ele, a morte não é o fim de tudo, porque o que morre é o corpo e não a alma, pois esta é acolhida por uma nova morada. Por isso, nada se destrói, apenas se transforma. 


Pitágoras 

[...]

Ó gente atônita pelo terror que lhe inspira o receio da gélida morte! Por que temer o Estige e as trevas, palavras vãs, assunto dos poetas, perigos de um mundo inexistente? Os corpos, quer os tenham destruído as chamas, na fogueira ou a lenta decomposição, nada mais podem sofrer. As almas não morrem, e, sempre que deixam uma morada, são acolhidas por uma nova morada, onde vivem e habitam.
[...]
Tudo se transforma, nada se destrói. O sopro vital erra de cá para lá e ocupa o corpo que lhe apraz; passa do corpo dos animais para o do homem, e do nosso corpo passa para os animais, sem nada perder. Do mesmo modo que a flexível cera pode ser facilmente modelada e não conserva sempre as mesmas formas, também a alma, segundo o meu entendimento, é sempre a mesma, mas emigra para várias figuras.
[...]
E já que vejo levado ao alto-mar e abri as velas aos ventos plenamente, acrescentarei que não há coisa alguma que persista em todo o orbe. Tudo flui, e só apresenta uma imagem passageira. O próprio tempo passa com um movimento contínuo, como um rio. Do mesmo modo que um rio, a hora fugidia não pode deter-se, mas como a água que é empurrada pela água e empurra, por sua vez, a que a precede, assim o tempo foge e é seguido, e é sempre diferente. O que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e todo instante é uma coisa nova. Vedes as noites, próximas do fim, caminharem para o dia, e à claridade do dia suceder a escuridão da noite.
[...]
E então? Não vedes se sucederem as quatro estações do ano, que imitam as idades da nossa vida? Com efeito, a primavera quando surge é bem semelhante à criança, tenra e ainda lactente; então a planta nova, pouco vigorosa, rebenta em brotos, e enche de esperanças o agricultor. Tudo então floresce; o fértil campo resplandece com o colorido das flores, mas ainda falta vigor às folhas. Após a primavera, o ano, mais forte, entra o verão: é a robusta mocidade, não há, com efeito, quadra mais cheia de força, mais fecunda, mais ardente. Chega por sua vez o outono: passou o fervor da mocidade; é a quadra da maturidade, o meio termo entre o jovem e o velho; as têmporas encanecem. Vem depois, o tristonho inverno: é o velho trôpego, cujos cabelos, ou caíram, ou, os que restaram estão brancos. Também os nossos corpos mudam sempre e sem descanso. o que fomos ou o que somos não o seremos amanhã. Houve um dia em que, mera semente, primeira esperança de um homem, repousávamos no ventre de nossa mãe. Intervém a natureza, com suas mãos experientes, não querendo que o nosso corpo fique encerrado, comprimido nas entranhas maternas distendidas, e nos tira de lá para o ar livre. 
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E também persiste aquilo que chamamos de elementos. Ensinarei --- prestai atenção! --- os percalços que enfrentam. O mundo eterno contém quatro corpos, que têm a virtude de produzir os outros. Deles, a terra e a água são pesados e o seu peso os impele para baixo; os dois outros carecem de peso e, se nada os detém, eles se elevam; são o ar e o fogo, que é mais puro do que o ar. Conquanto o espaço os separe, esses elementos é que tudo criam e tudo a eles retorna: dissolvida, a terra se dissipa em água líquida, a água, como vapor, de líquida se torna ar e vento; por sua vez, o ar, perdendo o peso, se torna tenuíssimo e sobe para os fogos do céu. Depois, agindo em sentido inverso, os elementos voltam à mesma ordem. O fogo condensado torna-se ar, depois água, e a água, contraindo-se, torna-se terra. Além disso, coisa alguma conserva sempre a mesma aparência, e a natureza renovadora encontra outras formas nas formas das coisas. Nada morre, acreditai-me, no vasto mundo, mas tudo assume aspectos novos e variados. O que se chama nascimento é apenas o começo de um estado diferente do estado anterior, e a morte é o fim de tal estado. Se uma parte vai para aqui, a outra vai para ali, nem por isso a soma de todos deixa de ser constante. 
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Na verdade, todos os seres têm a sua origem em outros seres. Existe uma única ave que se regenera e se reproduz por si mesma; os assírios a chamam de fênix. Não se alimenta de grãos ou ervas, mas das lágrimas do incenso e do suco do amono. Logo que completa cinco séculos de vida, nos galhos e no alto de uma oscilante palmeira, constrói um ninho com as garras e o bico imaculado. Forrando-o com folhas de canela e do aromático nardo e pedaços de cinamomo misturados com a fulva mirra, ali se acomoda e termina a vida rodeada de perfumes. (OVÍDIO, p. 280-284, 1983)

OVÍDIO. As Metamorfoses. Trad. David Gomes Jardim Junior. 1 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1983. Coleção Universidade de Bolso.