O DE PROFUNDIS OU AS PROFUNDEZAS DE OSCAR WILDE



     


Oscar Wilde foi dono de uma personalidade bastante controversa. Após um casamento desfeito e uma série de envolvimentos sexuais com rapazes mais jovens na conservadora Londres do século XIX, em especial com o playboy da época Alfred Douglas, por quem se apaixonaria perdidamente a ponto de cometer diversas extravagâncias e indiscrições em público, o escritor foi acusado de sodomia pelo pai do rapaz e levado a julgamento em abril de 1895. 

Tendo recebido o veredito de culpado, acabou por ser preso e condenado a dois anos de trabalhos forçados em 25 de maio de 1895. Inicialmente enviado para a prisão de Wandsworth, Wilde julgava-se incapaz de suportar tamanho sofrimento. 

Algum tempo depois foi transferido para o Cárcere de Reading, onde já no final da estadia na prisão, escreveu uma longa carta chamada De profundis endereçada ao ex-amante Bosie (codinome de Alfred Douglas nas altas rodas londrinas), somente publicada após sua morte em 1905 pelo amigo Robert Ross

Escrita em oitenta páginas em papel azul, Wilde não chegou a revisar a versão final, uma vez que a direção do presídio lhe fornecia uma folha de cada vez, sendo substituída por outra assim que preenchida. Seu desejo era de que o manuscrito fosse enviado para Robert Ross, juntamente com uma carta com instruções sobre o que fazer, porém o rígido regulamento da Presídio não permitiu que seu manuscrito saísse dos portões para fora e, por isso, somente a carta chegou às mãos de Robert

Entretanto, na manhã de 19 de maio de 1897, quando Wilde foi finalmente libertado de seu cárcere, o diretor permitiu entregar a ele seu manuscrito, o qual foi entregue em mãos para Robert Ross, num último encontro entre os dois antes do dândi deixar a Inglaterra rumo à França. Assim, uma cópia foi feita seguindo as instruções de Wilde. E, apesar, de ser endereçada a Bosie, este recebeu apenas uma cópia datilografada, pois Ross temia que ele a destruísse, o que acabou acontecendo mais tarde, acreditando ser aquela a única cópia existente a fim de evitar uma situação embaraçosa para si. 

Após o rompimento com Ross anos mais tarde, em 1909, Bosie descobriu que existia um manuscrito original em posse daquele e pediu que lhe fosse entregue, uma vez que havia sido endereçado a ele, pois pretendia lucrar com a venda do documento, como já fizera antes com outras missivas de Wilde. Porém, Ross lacrou o manuscrito e o doou para o Museu Britânico com a condição de permanecer assim por sessenta anos. 

Em 1912, Douglas se aborreceu com alguns trechos de um estudo feito por Arthur Ramsone sobre Wilde e entrou com uma ação na justiça contra Ramsone com o intuito de também prejudicar Ross através da leitura da carta de Wilde tida como prova principal e endereçada a ele. Julgado em 1913, o caso foi favorável a Ramsone e a epístola voltou para o Museu. 

Uma vez que a defesa se baseava na carta de Wilde, Bosie receberia uma cópia dela, anunciando logo em seguida que a publicaria na América (já que não podia publicá-la na Inglaterra), incluindo seus próprios comentários. Ross então, enviou a carta para Nova York a fim de imprimir dezesseis cópias para garantir os direitos de publicação na América e impedir Douglas de conseguir seu objetivo. O livro ficou pronto em dez dias e dos dezesseis exemplares, quinze foram remetidos para a Inglaterra para distribuição entre amigos de Wilde e bibliotecas. O último exemplar foi colocado à venda na sala de exposições do editor, seguindo a lei americana que rege o copyright, tendo seu preço fixado em cinco mil dólares, o qual não demorou a ser arrematado por um comprador anônimo. 

A cópia original voltou à Inglaterra e com a morte de Ross em 1918, foi parar nas mãos do filho de Wilde (Vyvyan Holland), tendo o manuscrito original permanecido no Museu Britânico provavelmente até os dias de hoje, uma vez que as autoridades jamais permitiram o acesso a ele. Finalmente, em 1936 sugeriu-se que era a hora de publicar a carta na íntegra, obtendo-se a permissão de Douglas, que a retirou logo depois quando as negociações já estavam bastante adiantadas. Somente após sua morte em 1945 é que finalmente foi possível a publicação da obra na Inglaterra. 

Nesta missiva Wilde relata toda a sua mágoa e decepção com a conduta do rapaz, tecendo pesadas acusações ao seu caráter, além de fazer uma profunda reflexão sobre sua trajetória, como é possível perceber no excerto abaixo:

Os deuses tinham me oferecido quase tudo. Tinha conhecimento, um nome reconhecido, uma posição social elevada, brilho, coragem intelectual; tinha feito da arte uma filosofia e da filosofia uma arte; tinha alterado a mente dos homens e a cor das coisas; não havia nada que eu dissesse ou fizesse que não levasse as pessoas a interrogarem-se; peguei na tragédia, a mais objetiva forma conhecida em arte, e tornei-a um modo de expressão tão pessoal como a lírica ou o soneto, ao mesmo tempo que alargava o teu âmbito e enriquecia a tua caracterização: drama, novela, poema rimado, poema em prosa, diálogo sutil ou fantástico, tudo aquilo em que tocasse tornava-o belo, com uma nova forma de beleza; dei à própria verdade, como tua província de direito, aquilo que é falso, não menos do que aquilo que é verdadeiro, e mostrei que o falso e o verdadeiro nada mais são do que formas de existência intelectual. Tratei a Arte como a realidade suprema, e a vida como um mero modo de ficção; despertei a imaginação do meu século de tal modo que ela criou mitos e lendas à minha volta; resumi todos os sistemas numa frase, e toda a existência num epigrama. 

Ao lado de tudo isso, tinha coisas diferentes. Deixei-me atrair para extensos períodos de facilidade sensual e sem sentido. Diverti-me a ser um flâneur, um orgulhoso, um homem da moda. Rodeei-me das naturezas menores e das mentes mais baixas. Tornei-me o dissipador do meu próprio gênio, e desperdiçar uma juventude eterna dava-me um curioso contentamento. Cansado de estar nas alturas, desci deliberadamente até o nível mais baixo, à procura de novas sensações. O que a contradição era para mim na esfera do pensamento, tornou-se para mim a perversidade na esfera da paixão. Por fim, o desejo era uma doença, ou uma loucura, ou ambas. Tornei-me descuidado em relação à vida dos outros. Retirava prazer daquilo que me agradava, e continuava. Esqueci-me de que todas as pequenas ações do dia a dia constroem ou destroem uma personalidade, e que, deste modo, aquilo que se fez no segredo do quarto, terá um dia de ser dito em voz alta no topo dos edifícios. Deixei de ser Senhor de mim. Já não era o Comandante da minha alma, e não o sabia. Permiti que tu me dominasses e que o teu pai me assustasse. Terminei em horrível desgraça. Agora só há uma coisa para mim, nesta altura, a absoluta Humildade; tal como agora só há uma coisa para ti, também a a absoluta Humildade. Teria sido melhor que descesses até o pó e aprendesses as coisas a meu lado.

Há quase dois anos estou na prisão. A minha natureza produziu em mim um desespero selvagem; um abandono à dor que fazia pena ver; uma raiva terrível e impotente; amargura e desprezo; angústia que chorava alto; miséria que não encontrava voz, mágoa que era muda. Passei por todos os estados possíveis do sofrimento. Sei melhor do que o próprio Wordsworth o que Wordsworth queria dizer quando escreveu: O sofrimento é permanente, obscuro, e negro. E tem a natureza do Infinito. (WILDE, p. 70-71, 2003)

Exilando-se em Berneval, uma pequena vila pesqueira na costa da França sob o nome de Sebastian Melmoth, após sua libertação, Wilde caiu em ostracismo para o resto de seus dias. Chegou mesmo a reatar o relacionamento com Bosie por três meses, quando viveram juntos em Posillipo. Porém, devido à embriaguez constante e aos maus hábitos, seu círculo de amigos diminuía cada vez mais, até que em 30 de novembro de 1900, o escritor e dramaturgo morreu solitariamente num pequeno e imundo quarto de hotel em Paris, onde passara a morar. 

Uma leitura dolorosa e angustiante daquele que foi por algum tempo o centro das atenções da sociedade londrina de sua época e fez de sua obra um marco na Literatura Universal. 


BIBLIOGRAFIA:

WILDE, O. De profundis/Balada do cárcere de Reading. Trad. Jean Melville. 1 ed. São Paulo: Martin Claret, 2003. 

WILDE, O. De profundis e outros escritos do cárcere. Trad. Júlia Tettamanzi; Maria Angela Saldanha Vieira de Aguiar. 2 ed. Porto Alegre: L&PM, 2011. 

                                                                                                        

POEMA E POESIA OU POESIA E POEMA - MAS, AFINAL O QUE É POESIA E O QUE É POEMA?




Uma primeira definição para poesia e daquelas mais simples seria dizer que ela é todo o texto escrito em versos. Entretanto, o problema é que poesia NÃO é apenas todo o texto escrito em versos. E que na verdade o que se escreve e se materializa é o poema e não a poesia. Qual é a diferença então entre poesia e poema ou poema e poesia? A diferença reside no fato de que a poesia numa definição da origem da palavra, segundo Massaud Moisés, em seu Dicionário de Termos Literários, vem do grego poiesis, que significa “ação de fazer alguma coisa, criar no sentido de imaginar”.

Ou seja, a poesia seria o estado ainda abstrato do poema, o momento da composição, enquanto ela ainda está na fase da imaginação, da procura das palavras, das imagens que se conectarão de acordo com o desejo e o planejamento do poeta para produzir o poema imaginado.

Podemos dizer que seria também algo equivalente ao conselho de Drummond nesse trecho de seu poema, Procura da poesia:

[...]

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.

Por sua vez, o poema propriamente dito é o produto concreto e acabado dessa imaginação colocada para funcionar de forma poética. É o poema terminado, materializado na folha em branco, pronto para ganhar o mundo e ser lido pelos leitores e apreciadores de poesia. Esteja ele vestido ou trajado no tema ou assunto que for, que o poeta escolheu para se expressar poeticamente.

Mas, porém, entretanto, contudo, todavia... o poema (e não mais a poesia) é um tipo de texto que ALÉM de ser escrito em versos precisa conter alguns elementos que o distingam da prosa. E é justamente aí que mora todo o encanto, a beleza e a magia de um texto poético. Sim, mas que elementos são esses?

Esses elementos são os chamados elementos poéticos ou elementos da poesia, os quais englobam: rima, musicalidade, ritmo, métrica e figuras de linguagem (metáfora, sinestesia, aliteração, hipérbole, assonância, entre outras), a fim de formar imagens e compor um poema de qualidade, digamos assim.

Mas voltemos para a definição de Poesia. Tal como a literatura, ela não possui uma definição específica, mas sim diversas definições de acordo com os mais variados filósofos, teóricos e críticos literários, além, claro dos que mais entendem de fazer poesia: os poetas.

Para o professor Pedro Lyra (p. 7, 1992), por exemplo:

[...] a poesia está no mundo originariamente, antes de estar no poeta ou no poema e isso pode ser comprovado pela simples constatação popular de que determinados objetos/situações do mundo são “poéticos” ela tem sua existência literária decidida nesse trânsito do abstrato ao concreto, do mundo para o poema, através do poeta, no processo que a conduz do estado de potência ao de objeto. 

Já o professor e crítico literário Carlos Felipe Moisés (p. 12, 1996) admite que:

a “poesia seja um jogo de subentendidos, linguagem cifrada, repleta de nuanças e ambiguidades, constituindo assim um poderoso desafio à nossa sensibilidade e argúcia”.

O crítico literário Afrânio Coutinho (p. 86, 2008) nos diz que:

A poesia é palavra, e é a palavra o primeiro elemento formal. Pela palavra o poeta domina e organiza sua experiência e a comunica por meio de imagens e símbolos. Pela palavra ele constrói seus castelos, enche-os de imagens. Cria forma, na qual há uma relação harmônica entre a parte e o todo, entre a inspiração e a expressão. Essa forma, unidade orgânica, é o poema. Mas a palavra da poesia é específica. Há uma linguagem poética própria, com grande carga lírica e emocional, assim diferindo da científica e da coloquial. Essa língua poética é composta de um vocabulário alinhado em ordem peculiar e carregado de sentidos próprios e de ambiguidade.

Para o poeta Mario Faustino (p. 28-29, 1976):

[...] poesia para mim é instrumento. [...] Instrumentos de muitas outras, quero eu dizer. Meio, por exemplo, de comover os homens; meio de os alegrar; meio de ensiná-los. [...] Pois, de certo modo, todo poema é eficiente, por mais tristes que sejam seus temas, sua anedota, suas sugestões, suas alusões — um bom poema sempre “deleita” o leitor saudável e competente.

Vejamos outras tentativas de definição:

Todas as literaturas começaram pela poesia. O homem começou cantando seus mitos, celebrando seus heróis, seus guerreiros, embora depois descobrisse outros temas. [...] A poesia não se escolhe e não é uma profissão. Poesia é a arte de causar emoções através do manejo das palavras. Um verso é uma coisa dita com certa cadência e não há leis para a poesia. É uma arte não menos misteriosa do que a música, talvez seja mais misteriosa. [Jorge Luis Borges]

A poesia é mais profunda e mais filosófica que a história. [Aristóteles]

A poesia é um difícil ofício de expressar a vida, naquilo que ela tem de belo e dramático. [Ferreira Gullar]

Poesia, irmã mais velha de todas as artes, e mãe da maioria delas. [William Congreve]

A poesia é a religião original da humanidade. [Novalis]

A poesia é a revelação de um sentimento que o poeta acredita ser interior e pessoal, mas que o leitor reconhece como próprio. [Salvatore Quasimodo]

A pintura é poesia muda; a poesia, pintura cega. [Leonardo da Vinci]

O reino de ação da poesia é a linguagem. [...] a essência da poesia deve ser concebida pela essência da linguagem. [Martin Heidegger]

A poesia sempre me pareceu um mistério, você não sabe dizer o que é, ela acontece ou não acontece. [Hilda Hilst]

Todas as coisas possuem seu mistério e a poesia é o mistério de todas as coisas.[Federico Garcia Lorca]

A poesia faz imortal tudo quanto é melhor e mais belo neste mundo. [Percy Bysshe Shelley]

Poesia não tem hoje nem ontem. Poesia é sempre. [Marisa Lajolo]

Mas é o poeta, tradutor e ensaísta Octávio Paz (p. 15, 1982) que na sua tentativa de definição de poesia, quem parece resumir, ou antes, unir todas as outras num só pensamento: 

A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. [...] Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não-dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Ideia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. [...]

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COUTINHO, A. Notas de teoria literária. 1 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

FAUSTINO, M. Poesia – experiência. 1 ed. São Paulo: Perspectiva, 1976.

LIRA, P. Conceito de poesia. 2 ed. São Paulo: Ática, 1992.

MOISÉS, F. C. Poesia não é difícil: introdução à análise de texto poético.  1 ed. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1996.

PAZ, O. O arco e a lira. Trad. Olga Savary. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

REACHERS, S. Poesia em 500 citações: algumas das melhores definições e reflexões de todos os tempos sobre a poesia e o poema, o poeta e o fazer poético. 1 ed. São Gonçalo: Edição Independente, 2018.

 












O PRÍNCIPE FELIZ - UM RECORTE DA VIDA DE OSCAR WILDE (FILME)





Neste filme biográfico de 2018, Rupert Everett encarna Oscar Wilde, um dos mais importantes nomes da Literatura mundial, mostrando o final da vida do escritor, que já em seu leito de morte num hotel barato de Paris, para onde exilou-se depois de sua libertação do cárcere de Reading em 1897, acusado do crime de sodomia pelo pai de seu ex-amante Alfred Douglas, um playboy das altas rodas londrinas, relembra parte de sua trajetória de forma irônica e sagaz, bem ao seu estilo. 

Lembrando que a vida do escritor já foi adaptada para o cinema em 1960, com Os crimes de Oscar Wilde e em 1997, com Wilde - o primeiro homem moderno.

Um filme sensível e tocante que vale a pena ser visto. 

A PRESENÇA DO ELEMENTO GÓTICO EM O MORRO DOS VENTOS UIVANTES (DE EMILY BRONTE) - PARTE III




À PROCURA DO ELEMENTO GÓTICO

Para Pauline Nestor na introdução da edição de 2021 de Wuthering Heights, da Companhia das Letras: 

Tal como o romance gótico, o livro de Emily Brontë concebe um mundo obscuro e apaixonado de prisão e tortura, fantasmas e crianças trocadas. Por sua vez, tal como as obras do Romantismo, há nele a autoridade da imaginação e da emoção, uma preocupação pela influência formativa da infância e pela relação do homem com o mundo natural. O seu enfoque é “antissocial”, em vez de comunal ou ético, e o seu personagem central, Heathcliff, é uma versão do herói de Byron.

Assim, pode-se dizer que Wuthering Heights é uma obra que apresenta alguns desses elementos góticos citados anteriormente, principalmente no que se refere à atmosfera e ambientação do romance, à construção psicológica dos personagens, ao uso do imaginário sobrenatural e a presença de aspectos religiosos.

 

No que se refere à questão dos personagens, Heathcliff é retratado no romance como um personagem melancólico, sombrio, amargurado, vingativo, apaixonado e atormentado, sentimentos que quase beiram à loucura, sendo considerado uma espécie de arquétipo do herói byroniano, que cultiva suas paixões de forma tão intensa e profunda que por vezes destrói a si próprio e as pessoas ao seu redor.

 

Sua própria aparência descrita como cigano, de pele escura, com olhos e cabelos escuros e de origem desconhecida associada ao seu temperamento sombrio o tornam um modelo de elemento gótico e que chega para perturbar a atmosfera do lugar, bem como seus habitantes, como atesta essa passagem da narrativa, na qual o Sr. Earnshaw o apresenta à família após encontrá-lo perdido nas ruas de Liverpool: ─ “Veja só, mulher! Nunca vi coisa igual; mas você tem de encará-lo como uma dádiva do Senhor, embora seja tão escuro que mais pareça vir do Diabo”. (BRONTE, 1987, p. 52)

 

Além disso, Heathcliff é em algumas passagens do romance comparado a um demônio pelas outras personagens, como Hindley, Isabella e Nelly Dean devido à sua aparência e suas constantes mudanças de comportamento no decorrer da narrativa, como se vê neste excerto, durante uma tentativa de Hindley de matar Heathcliff, buscando o apoio de Isabella:

“A traição e a violência são uma paga perfeita para a traição e a violência!”, gritou Hindley. ‘Isabella, não lhe peço que faça nada; apenas que fique quieta e calada. Será que você pode fazer isso? Tenho a certeza de que você teria tanto prazer quanto eu em assistir ao fim da existência desse demônio: ele será a sua morte, se você não fizer alguma coisa; e será a minha ruína. Maldito seja o vilão! Bate na porta como se já fosse o dono da casa! Prometa-me calar a boca e, antes de o relógio marcar uma hora... faltam três minutos apenas... você será uma mulher livre!’ (BRONTE, 1987, p. 198-199)

Em outra passagem, Nelly Dean, ao levar o jantar para Heathcliff o encontra encostado ao batente da janela sem se mexer e ao tocar-lhe a fim de contemplar seu rosto, descreve a seguinte impressão para Mr. Lockwood:

A luz da vela bateu-lhe no rosto. Sr. Lockwood, não posso exprimir o susto que levei! Aqueles olhos fundos e negros! O sorriso, a palidez mortal! Não me parecia o Sr. Heathcliff, e sim um demônio; e no meu terror, deixei a vela inclinar-se para a parede e ficamos no escuro. (BRONTE, 1987, p. 362)

Mais tarde levada pelo elemento supersticioso, ela mesma se pergunta se Heathcliff é um vampiro, pois lera sobre casos demoníacos de vampirismo, cogitando “de onde viera ele, de onde viera aquele menino escuro, trazido por um bom homem para o seu lar?” (BRONTE, 1987, p. 363) numa espécie de sonho em que passa em revista a existência de Heathcliff e prevê sua morte.

 

Noutra passagem, é o próprio Heathcliff que sê vê como um demônio, quando afirma que Nelly Dean o julga como um e ao comentar com Cathy que aos olhos dela, ele se transformou “em algo pior do que o Diabo.” (BRONTE, 1987, p. 367). Já no final do romance, ao ver Heathcliff morto, o empregado Joseph também o considera um discípulo do Demo, conforme demonstram suas palavras:

 

─ O Demo carregou a alma dele! ─ falou. ─ Pode levar também a carcaça! Credo! Até da morte ele caçoa! ─ e o velho pecador fez uma cara de troça. De repente, porém, recobrando a compostura, ajoelhou-se, ergueu as mãos ao céu e deu graças por ficar Hareton, o legítimo dono, novamente na posse de seus direitos. (BRONTE, 1987, p. 368)

No entanto, tal como Heathcliff, outras personagens como Hindley, Hareton, Linton e Joseph também apresentam traços desse comportamento arredio, rude, perturbado e taciturno, corroborando para e atmosfera lúgubre e soturna do romance. Catherine apresenta um comportamento mais impetuoso, difícil, mimado, caprichoso e intempestivo, capaz de fortes emoções, o que culmina com seu estado de nervos à flor da pele e seu ânimo sempre perturbado pela presença e o amor que Heathcliff lhe inspira.

 

Pode-se dizer que os personagens mais centrados nessa atmosfera de perturbação e loucura onde se desenrolam os acontecimentos da narrativa são Edgar Linton, que a tudo enfrenta com serenidade, paciência e bom senso, e Nelly Dean, que apesar de participar de alguns fatos consegue ser firme e racional, sem se deixar abater pelas intensas situações que vivencia.

 

No que se refere à ambientação do romance, o próprio Mr. Lockwood já nos dá uma pista no início da narrativa, quando diz que “em toda a Inglaterra, acho que não poderia ter encontrado um lugar tão completamente afastado da sociedade humana”. (BRONTE, 1987, p. 19)

 

E mais tarde, quando reclama de seu estado de saúde devido a um resfriado que o obrigara a passar semanas na cama: “Oh, estes ventos cortantes, estes céus fechados; estas estradas intransitáveis, [...] esta ausência de rostos humanos!” (BRONTE, 1987, p. 109)

Além disso, todo esse tumulto sentimental vivido pelos personagens parece transparecer na descrição climática e atmosférica do lugar, da paisagem e das charnecas que ligam Wuthering Heights à Granja Thrushcross, com ventos frios e chuvas fortes e cortantes, como demonstra o seguinte trecho:

Cerca de meia-noite [...] a tempestade caiu com toda a fúria sobre o Morro. Um vento furioso acompanhava a trovoada, derrubando uma árvore a um canto da casa; um enorme galho se abateu sobre o telhado e derrubou uma parte do cano da chaminé de lesta, jogando um monte de pedras e fuligem na lareira da cozinha. (BRONTE, 1987, p. 102)

E, segundo nos conta ainda Mr. Lockwood acerca da origem do nome Wuthering Heights: "A propriedade do Sr. Heathcliff chama-se, adequadamente, Wuthering Heigths, sendo wuthering um significativo adjetivo provinciano para designar o tumulto atmosférico ao qual ela está sujeita em tempo tempestuoso" (BRONTE, 1987, p. 20). Portanto, nada mais apropriado para o contexto no qual se desenrola o conflito da narrativa.

Finalmente, o uso do imaginário sobrenatural, em que se destacam sonhos, devaneios, alucinações e contatos sobrenaturais das personagens com os mortos aparece em vários excertos da narrativa. Nesta passagem, logo no início, no capítulo 3, após a morte de Catherine Earnshaw/Linton, Mr. Lockwood vendo-se obrigado a pernoitar em Wuthering Heights no quarto de criança da morta devido a uma nevasca muito forte, narra um contato sobrenatural com ela:

O peitoril, onde coloquei a vela, tinha, empilhados a um canto, alguns livros embolorados, e a sua pintura estava coberta de escritos, que, examinados de perto, mostravam ser apenas um nome, repetido em todos os tipos de letras, grandes e pequenas: Catherine Earnshaw, aqui e ali alterado para Catherine Heathcliff, e depois para Catherine Linton.

Entopercido, apoiei a cabeça no peitoril e continuei a soletrar Catherine Earnshaw... Heathcliff... Linton, até que os meus olhos se fecharam; mas eles não tinham descansado nem cinco minutos, quando um brilho de letras brancas surgiu do escuro, como espectros, enchendo o ar de Catherines. Abrindo os olhos para dissipar aquele nome, vi que o pavio da vela se encostava num dos volumes embolorados e perfumava o aposento com um cheiro de couro queimado. Soprei o pavio, e, sob a dupla influência do frio e da náusea, sentei-me e abri o volume queimado contra o joelho. [...] Aquilo despertou imediatamente, em mim, um interesse por aquela desconhecida Catherine, e pus-me a tentar decifrar os seus desbotados hieróglifos.

[...] lembrava-me de que estava deitado no compartimento de carvalho e ouvia distintamente a ventania e o bater da neve contra o telhado; ouvia, também, o galho do pinheiro roçar contra a vidraça e sabia o que provocava aquele barulho impertinente; mas a tal ele me incomodava, que resolvi silenciá-lo. Levantei-me e tentei abrir a janela. A lingueta estava soldada, fato que eu observara quando acordado, mas que esquecera. ─ Tenho de acabar com esse barulho, seja como for! ─ murmurei, partindo a vidraça com o punho e esticando um braço para agarrar o importuno galho. Em vez disso, porém, os meus dedos pegaram uma mão pequenina e gelada! O intenso horror do pesadelo tomou conta de mim: tentei retirar a mão, mas a mãozinha agarrou-se ainda mais a ela e uma vozinha melancólica soluçou: ─ Deixe-me entrar... deixe-me entrar! ─ Quem é você? ─ perguntei, enquanto lutava por me libertar. ─ Catherine Linton ─ respondeu a voz, como se tremesse de frio (por que razão fui pensar em Linton? Tinha lido o nome Earnshaw vinte vezes mais do que Linton). ─ Voltei. Perdi-me na charneca! ─ Enquanto ela falava, distingui, na escuridão, um rosto de criança olhando através da janela. O terror tornou-me cruel; e, vendo que era inútil livrar-me da criatura, puxei-lhe o pulso através da vidraça partida, para a frente e para trás, até que o sangue escorreu e encharcou a roupa de cama. Mesmo assim, a voz continuou a gemer: ─ Deixe-me entrar! ─ e a manter a mão agarrada à minha, quase me enlouquecendo de pavor. ─ Como é que eu posso? ─ consegui, por fim, dizer. ─ Solte-me, para que eu a possa deixar entrar! ─ Os dedos relaxaram um pouco a sua pressão. Recolhi depressa a minha mão através do buraco, empilhei os livros numa pirâmide, a fim de tapá-lo, e levei as mãos aos ouvidos, para não ouvir o lamentoso pedido. Acho que os conservei fechados mais de um quarto de hora; mas, logo que os destapei, ouvi de novo o triste gemido. ─ Fora! ─ gritei. ─ Nunca deixarei você entrar, nem que fique aí pedindo durante vinte anos! ─ Faz mesmo vinte anos ─ gemeu a voz ─, vinte anos. Há vinte anos que ando perdida! ─ Ouvi arranhar levemente a vidraça, e a pilha de livros começou a se mexer, como se alguém a empurrasse. Tentei levantar-me, mas não consegui mover-me... e então soltei um grito, no auge do pavor. Langit

Após o episódio, Heathcliff pede ao inquilino que saia do quarto (pois era como um santuário para ele) e, demonstrando algo como uma superstição desesperada e sofredora, tem uma espécie de delírio com Catherine, pois:

Subiu na cama e abriu a gelosia, explodindo, ao fazê-lo numa incontrolável torrente de lágrimas. ─ Entre! Entre! ─ soluçou. ─ Cathy, entre. Oh, venha... venha... uma vez mais! Oh, minha adorada! Escute-me agora, Catherine, finalmente! ─ O espectro mostrou um capricho bem digno dos espectros: não deu sinais de vida; mas a neve e o vento entraram à vontade, chegando até onde eu estava e apagando a luz. (BRONTE, 1987, p. 44)

No momento em que toma conhecimento da morte da amada é possível perceber que Heathcliff sente um estranho prazer em puni-la por ter escolhido Edgar, demonstrando todo o seu sofrimento e desespero por tê-la perdido:

─ Oxalá tenha um despertar tormentoso! ─ exclamou ele, numa voz terrível, batendo com o pé e rosnando num acesso de descontrolada paixão. ─ Ela mentiu até o fim! Onde está ela? Não está lá... não está no céu... não morreu... onde é que ela está? Oh, você disse que não se importava com os meus sofrimentos! Pois bem, vou rezar. Vou rezar até não ter mais fôlego, para que você, Catherine Earnshaw, não possa ter descanso enquanto eu esteja vivo! Você disse que eu a tinha matado... Pois bem, assombre-me! As vítimas costumam assombrar os seus algozes. Sei de fantasmas que erraram de verdade pela terra. Persiga-me, assuma a forma que quiser, enlouqueça-me até! Mas não me deixe neste abismo, onde eu não posso encontrá-la! Oh, meu Deus, é impossível! Eu não posso viver sem a minha vida! Eu não posso viver sem a minha alma!

Bateu com a cabeça contra o tronco nodoso; e, erguendo os olhos, uivou, não como uma criatura humana, e sim como um animal selvagem espetado até a morte com facas e lanças. Vi vários salpicos de sangue no tronco da árvore e notei que ele tinha a mão e a testa ensanguentadas; provavelmente passara a noite naquele desespero. (BRONTE, 1987, p. 190)

Mais ao final da narrativa e cada vez mais sem conseguir conviver com a dor e o sofrimento experimentados pela morte da amada, Heathcliff passa suas noites fora de casa, fazendo diversas visitas ao cemitério a fim de buscar um contato com a morta. Nelly Dean percebendo alterações um tanto assustadoras no comportamento dele, em determinado momento o chama de perverso e ele lhe explica o que fez:

[...] No dia em que ela foi enterrada, caiu uma nevada. À noite, fui até o cemitério. Soprava um vento desolado, como se fosse inverno... tudo em volta estava solitário. [...] Sozinho e sabendo que a única barreira entre nós eram dois metros de terra solta, disse comigo mesmo: “Hei de apertá-la novamente nos braços! Se ela estiver fria, pensarei que é este vento do norte que me gela; e, se ela estiver imóvel, que está dormindo”. Apanhei uma pá na casa de ferramentas e comecei a cavar com todas as minhas forças, até bater no caixão; estalava nas dobradiças; eu estava quase alcançando o meu objetivo, quando me pareceu ouvir um suspiro de alguém que estivesse à beira da cova e debruçado sobre ela. “Se eu pudesse tirar isto para fora!”, murmurei. “Gostaria que nos cobrissem de terra, a nós dois!” E tentei mais desesperadamente ainda abrir o caixão. [...] (BRONTE, 1987, p. 319)

Ou seja, numa imensa demonstração de desespero, tentou profanar a sepultura da morta como se quisesse trazê-la de volta à vida. Assim, Heathcliff após desistir da vingança contra os sobrinhos Hareton e Cathy, que acabam por se acertar e ficar juntos, termina por se deixar morrer de fome e frio trancado em seu quarto, deixando a janela aberta em meio à chuva que caía em Wuthering Heights a fim de tornar-se ele também um fantasma, já que de acordo com suas palavras: “Acredito piamente em fantasmas: estou convencido de que eles podem existir... e existem... entre nós!” (BRONTE, 1987, p. 318)

 

Após partir em busca de seu destino, Nelly Dean narra relatos de visões fantasmagóricas e espectrais de Heathcliff e Catherine pela vizinhança, os amantes que se encontraram somente depois da morte, conforme atesta esta última passagem do romance:

 

Foi sepultado, para escândalo de toda a região, segundo o seu desejo. Eu e Earnshaw, o coveiro e seis gatos-pingados -- eis o acompanhamento. Os seis gatos-pingados foram embora assim que puseram o caixão na sepultura; nós ficamos para vê-lo ser coberto. Com o rosto lavado em lágrimas, Hareton arrancou tufos de grama verde e colocou-os sobre a terra: atualmente, a sepultura está tão verdejante quanto a da companheira ─e espero que o seu ocupante tenha um sono igualmente sossegado. Mas a gente do campo, quando se lhes pergunta, jura pela Bíblia que o vê caminhar: há quem diga que o enxergou perto da igreja, na charneca e até mesmo nesta casa. Histórias, dirá o senhor, e eu também. Contudo, aquele velho sentado diante do fogo afirma que vê os dois, olhando pela janela do quarto dele, todas as noites de chuva, desde que o patrão morreu ─ e uma coisa estranha aconteceu-me, há cerca de um mês. Eu estava indo para a granja, uma noite -- uma noite escura, ameaçando trovoada ─, e, bem na encruzilhada que leva ao Morro, encontrei um rapazinho com um carneiro e duas ovelhas; chorava horrivelmente e eu supus que as ovelhas estivessem assustadiças e se recusassem a obedecer-lhe.

─ Que foi, meu homenzinho? ─ perguntei.

─ Heathcliff e uma mulher estão ali, perto do morro ─ gaguejou ele ─, e estou com medo de passar.

Nada vi; mas tanto as ovelhas quanto ele se negavam a passar, de modo que lhe disse para ir pela estrada de baixo. Provavelmente ele imaginara os fantasmas de tanto pensar, ao atravessar sozinho a charneca, nas bobagens que ouvira os pais e os colegas repetirem. Mas a verdade é que já não gosto de sair no escuro e nem de ficar sozinha neste casarão. (BRONTE, 1987, p. 368-369)

Como se vê, apesar de toda a rusticidade e os pretensos defeitos da obra de Emily Bronte, Wuthering Heights é um romance com muitos aspectos a ser explorados, não só em relação aos elementos góticos, mas em vários outros que se percebem no decorrer da leitura. É ler para descobrir esse presente deixado pela autora para nós leitores de todas as épocas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRONTE, E. O morro dos ventos uivantes. Trad. Vera Pedroso. 1 ed. São Paulo: Círculo do Livro, 1987.

BRONTE, E. O morro dos ventos uivantes. Trad. Julia Romeu. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. 11 ed. São Paulo: Cultrix, 2002.

NETO, F. de C. A.; MILTON, J. Literatura inglesa. Curitiba: IESDE, 2009.

_________________. Saiba o que é literatura gótica e seus principais representantes. Disponível em: <https://cursinhoparamedicina.com.br/blog/literatura/saiba-o-que-e-literatura-gotica-e-quais-sao-os-seus-principais representantes/> Acesso em 30/09/23.

 

 

A PRESENÇA DO ELEMENTO GÓTICO EM O MORRO DOS VENTOS UIVANTES (DE EMILY BRONTE) - PARTE II




HISTÓRIA DA LITERATURA GÓTICA

O termo "gótico" vem do latim gothicu e é um adjetivo referente à tribo dos godos, um povo de cultura germânica, habitante da região do rio Danúbio, que posteriormente se espalhou pela Europa. Mais tarde o termo passou a abranger e a se referir a outras áreas, como a arquitetura, as artes plásticas e a literatura.

Em literatura, surgiu no século XVIII na Inglaterra com a obra, O castelo de Otranto, de Horace Walpole (1764), o qual tinha como subtítulo a expressão "a gothic story". Com uma narrativa ambientada em um castelo medieval recheada de seres sobrenaturais e inusitados como: fantasmas, estátuas vivas e gigantes associados aos sentimentos de amor, angústia e terror, seu livro obteve imenso sucesso, tendo-se seguido mais de 150 edições após o lançamento.

 

Considerada uma vertente literária do Romantismo, a literatura gótica se volta mais para o mistério e o obscuro. Daí suas principais características: uso de cenários medievais; personagens melodramáticos; psicologia do terror, na qual se explora sentimentos como o medo e a loucura; uso do imaginário sobrenatural, no qual aparecem figuras fantasmagóricas, demônios, monstros e espectros; morte; satanismo; presença de aspectos religiosos; concepções estéticas e filosóficas, entre outras.

Assim: 

Quer-se crer que não se trata duma ficção menor, votada ao entretenimento do leitor, mas de romances, ou novelas, dotados de outro interesse, na medida em que os protagonistas, antes que meros fantoches, seriam autênticos casos psicológicos. Além disso, o gótico busca envolver o leitor, mantendo-o em suspense, alarmá-lo, chocá-lo, incitá-lo, provocando-lhe, em suma, uma resposta emocional. Portanto, "a marca distintiva da ficção gótica é a sua atmosfera e o uso que dela se faz" [...]: os vários expedientes cenográficos (castelos em ruínas, trevas, etc.) apenas colaborariam para formular a ambiência em que se pretende imergir o leitor. A atmosfera pode ser de terror ou de horror, conforme dependa do suspense ou medo, no primeiro caso, ou de o leitor ser atingido "frontalmente com acontecimentos que o chocam e o perturbam", no segundo. (MOISÉS, 2002, p. 261-262)

Nascidas como uma reação ao Racionalismo, as primeiras obras góticas buscavam uma forma de evitar a dor da solidão e do sofrimento através de um mundo não dominado pelo ser humano e da crença em seres extraordinários. Além disso, a Europa experimentava um grande desenvolvimento científico nessa época e, portanto, retornar às crenças antigas era uma maneira de se distanciar desse universo racional.

 

Alguns dos principais autores da literatura gótica universal são: Ann Radcliffe, Mathew Lewis, William Godwin, Charles Robert Maturin, Mary Shelley, Lord Byron, Charles Baudelaire, Edgar Allan Poe, além dos brasileiros Álvares de Azevedo, Alphonsus de Guimarães e Augusto dos Anjos.

Um dos grandes personagens da literatura gótica é o monstro Frankenstein, criado em 1820 por Mary Shelley na obra de mesmo nome. Outras obras publicadas com títulos semelhantes nessa mesma vertente são: Nightmare Abbey, de Thomas Love Peacock e Northanger Abbey, de Jane Austen (póstuma).

Mais tarde, em 1891 com a publicação de O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, houve um fortalecimento da estética gótica, surgindo as primeiras obras vampirescas, como Drácula, de Bram Stoker publicado em 1897, tendo sido adaptado várias vezes para o teatro e o cinema. Outra obra inserida nesta vertente é, Entrevista com o vampiro, de Anne Rice, publicada em 1973.

 

Por apresentarem intensa carga emocional, atmosfera sombria, personagens perturbadores, ambientes fantasmagóricos, entre outras, essas obras afrontavam os costumes e a cultura de suas épocas, sendo por isso, fortemente rejeitadas pelo público leitor. 

Entretanto, com o passar do tempo e a popularização das obras, esse quadro de rejeição mudou completamente, fazendo com que fossem adaptadas para o cinema.

 

 

A PRESENÇA DO ELEMENTO GÓTICO EM O MORRO DOS VENTOS UIVANTES (DE EMILY BRONTE) - PARTE I

 


BREVE INTRODUÇÃO

Whutering Heights, único romance da escritora britânica Emily Brönte, traduzido para o português como, O morro dos ventos uivantes foi publicado em 1847. Considerado um clássico da literatura inglesa recebeu inúmeras críticas, inclusive sobre sua construção narrativa. 

Nascida no condado de Yorkshire, Emily viveu isolada não só em seu círculo familiar, mas também das coisas do mundo, além de ter convivido sempre de perto com a morte (perdendo a mãe em 1821 e duas irmãs mais velhas em 1825), seus escritos refletem um pouco dessa atmosfera um tanto sobrenatural que a circundava.

 

Para os críticos da época era inconcebível que uma moça de temperamento introvertido, tímido e extremamente contido (sob o pseudônimo masculino de Ellis Bell), avessa às relações sociais e com pouquíssimo contato com as coisas do mundo e da vida compusesse uma obra tão completamente fora de seu universo. 

 

Tudo isso porque o enredo de Emily, cujo cenário é a própria região em que ela cresceu, foi considerado rústico demais e com personagens inverossímeis. A justificativa de acordo com sua irmã Charlotte Bronte em prefácio publicado em uma segunda edição da obra era de que os camponeses analfabetos e fidalgos não refinados daquelas paragens não poderiam externar paixões de forma tão intensa e brutal nem se utilizar de uma linguagem forte, devido às condições em que eram criados e os ensinamentos que recebiam num ambiente rude e de contenção de sentimentos.

 

Ainda segundo ela, “as bravias charnecas do norte da Inglaterra” e a “linguagem, as maneiras, as próprias moradas e os usos domésticos dos poucos habitantes dessas regiões” poderiam soar ininteligíveis e até mesmo repulsivos para os leitores, tornando-a uma obra exótica e estranha.

 

Mas é preciso deixar claro que Emily, bem como suas irmãs sobreviventes (além de Charlotte, Anne Bronte) sempre alimentaram o sonho de se tornarem escritoras, pois nutriam grande interesse por livros e literatura, incentivadas que foram pelo pai a estudar. Assim, elas “consumiam avidamente jornais e revistas, e estavam tão familiarizadas com as comédias mais picantes de Shakespeare e a poesia de Byron quanto com a leitura da Bíblia”, segundo Pauline Nestor na introdução da edição de 2021, da Companhia das Letras citada nas referências.

 

Com isso, após publicarem em conjunto um pequeno livro de poesias, elas se aventuraram pelo romance, cada uma escrevendo o seu. Charlotte produziu Jane Eyre; Anne escreveu, Agnes Grey e Emily criou o mais polêmico e exaltado dos três, O morro dos ventos uivantes. 

 

Trazendo uma narrativa centrada na atormentada, sombria e fantasmagórica história de amor e ódio de Heathcliff  e Catherine Earnshaw entre as propriedades de Wuthering Heights e a Granja Thrushcross, ela é contada em flashback através de um narrador-testemunha, na figura da bondosa e prestativa governanta Nelly Dean no ano de 1801, num tempo presente da narrativa ao novo inquilino da Granja, Mr. Lockwood, um forasteiro que chega para causar certa desordem no lugar.

 

Pode-se dizer que há dois narradores no enredo, uma vez que nos três primeiros capítulos é Mr. Lockwood quem nos conta como chegou à Granja Thrushcross, além de seu primeiro e único contato com Heathcliff.

 

A partir do capítulo 4 ao solicitar à Nelly Dean que fale mais sobre a história do lugar e a vida de seus habitantes, é a governanta quem assume a tarefa de relatar os fatos em torno do romance doentio e não concretizado de Heathcliff Catherine até o capítulo 31. No capítulo 32, agora no tempo presente, no ano de 1802, a narrativa volta momentaneamente para Mr. Lockwood, em passagem por Wuthering Heights a caminho de Gimmerton, uma localidade próxima, no qual cede a palavra para Nelly Dean outra vez para que esta lhe narre os últimos acontecimentos, encerrando-se a narrativa no capítulo 34.

 

No início do enredo, Heathcliff, um pequeno órfão, de cabelos pretos, sujo, esfarrapado, com aspecto cigano e de origem não revelada na história é trazido para Wuthering Heights após uma viagem de três dias empreendida pelo Sr. Earnshaw, alegando tê-lo encontrado faminto e abandonado pelas ruas de Liverpool, assim descrito pela governanta: “Era uma criança taciturna e paciente, talvez endurecida pelos maus-tratos”. (BRONTE, 1987, p. 54)

 

Entre diversos acontecimentos num enredo que parece dar um nó na cabeça do leitor, o garoto e Catherine, sua irmã adotiva logo se sentem afeiçoados um pelo outro, nascendo daí um amor desesperado, confuso e sombrio que nem a morte nem o tempo apagará. Assim, assemelhando-se às paisagens ermas, distantes, desoladas, amedrontadoras, gélidas, funestas e obscuras, onde assoviam ventos ora tristes e melancólicos, ora fortes e tempestuosos, as personagens também são descritas conforme o ambiente em que vivem: frias, perturbadas, sombrias, temperamentais, impetuosas, impulsivas, coléricas, teimosas, entre outras. 

E é nessa atmosfera que se desenvolve essa narrativa intensa, visceral e apaixonante, que nos desperta sentimentos contraditórios o tempo todo durante a leitura, na qual se destacam alguns elementos góticos, dos quais falaremos a seguir.


LITERATURA - AFINAL, O QUE É LITERATURA?

 


Em primeiro lugar, a palavra “literatura” vem do latim littera e tem por significado o ensino das primeiras letras. Somente com o tempo é que foi recebendo outros significados, como “arte das belas letras”, “arte literária” e “poesia” no século XVIII em detrimento do termo “literatura”, devido ao fato de que nessa época o culto da imaginação havia entrado em moda e era muito valorizado.

Apenas no final do século XVIII e início do século XIX é que o termo “literatura” passou a ser empregado para se referir a textos escritos ou impressos, passando também a significar “o conjunto da produção literária de um determinado país”, por isso, “cada país possuiria uma literatura com caracteres próprios, uma literatura que seria expressão do espírito nacional e que constituiria, por conseguinte, um dos factores relevantes a ter em conta para se definir a natureza peculiar de cada nação. Sintagmas como literatura alemã, literatura francesa, literatura italiana, etc., foram-se tornando de uso frequente”. (SILVA e AGUIAR,  p. 7, 2007).

É importante saber que não existe uma definição clara de Literatura, mas sim conceitos. Afinal, essa questão vem sendo pensada há mais de 2500 anos, pois de acordo com Silva e Aguiar (p. 14, 2007) trata-se de um processo histórico ininterrupto de produção de novos textos ao longo do tempo, que assim como podem representar na época de seu aparecimento uma novidade e uma ruptura imprevistas sobre os textos já conhecidos também podem propiciar modificações profundas e severas nos textos produzidos até então, proporcionando ou determinando novas possiblidades de leituras desses mesmos textos.

Assim, os conceitos vêm mudando ao longo do tempo devido aos critérios adotados para se considerar uma obra como literária, entre eles a originalidade, a permanência dessa obra ao longo dos séculos, o emprego da linguagem na obra, a importância histórica e cultural da obra dentro do país em que foi criada, a universalidade, etc.

Vejamos então alguns conceitos de diversos autores, estudiosos e críticos literários de variadas épocas:

"Arte Literária é mimese (imitação); é a arte que imita pela palavra". (Aristóteles, Grécia Clássica)

"A Literatura é a expressão da sociedade, como a palavra é a expressão do homem". (Louis de Bonald, pensador e crítico do Romantismo francês, início do século XIX)

"Literatura é linguagem carregada de significado. Grande literatura é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível”. (Ezra Pound)

"Tal é, pois, a "verdadeira" e "pura" literatura: uma subjetividade que se entrega sob a aparência de objetividade, um discurso tão curiosamente engendrado que equivale ao silêncio; um pensamento que se contesta a si mesmo, uma Razão que é apenas a máscara da loucura, um Eterno que dá a entender que é apenas um momento de História, um momento histórico que, pelos aspectos ocultos que revela. remete de súbito ao homem eterno; um perpétuo ensinamento, mas que se dá contra a vontade expressa daqueles que ensinam". (Jean-Paul Sartre)

"A Literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é a realidade recriada através do espírito do artista e retransmitida através da língua para as formas, que são os gêneros, e com os quais ela toma corpo e nova realidade. Passa, então, a viver outra vida, autônoma, independente do autor e da experiência de realidade de onde proveio. Os fatos que lhe deram às vezes origem perderam a realidade primitiva e adquiriram outra, graças à imaginação do artista. São agora fatos de outra natureza, diferentes dos fatos naturais objetivados pela ciência ou pela história ou pelo social. A verdade estética – desde Aristóteles que se sabe – é diversa da verdade histórica. O artista literário cria ou recria um mundo de verdades que não são mensuráveis pelos mesmos padrões das verdades fatuais. Os fatos que manipula não têm comparação com os da realidade concreta. São as verdades humanas gerais, que traduzem antes um sentimento de experiência, uma compreensão e um julgamento das coisas humanas, um sentido da vida, e que fornecem um retrato vivo e insinuante da vida, o qual sugere antes que esgota o quadro. A Literatura é, assim, a vida, parte da vida, não se admitindo possa haver conflito entre uma e outra. Através das obras literárias, tomamos contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as verdades da mesma condição humana". (Afrânio Coutinho)

"A literatura é como o sorriso da sociedade. Quando a sociedade ela está feliz, o espírito se lhe reflete nas artes e, na arte literária, com ficção e com poesias, as mais graciosas expressões da imaginação. Se há apreensão ou sofrimento, o espírito se concentra grave, preocupado, e então, histórias, ensaios morais e científicos, sociológicos e políticos, são-lhe a preferência imposta pela utilidade imediata". (Afrânio Peixoto)

Desse modo, podemos resumir a Literatura nas palavras proféticas do Prof. Vitor Manuel de Aguiar e Silva:

"A literatura não é um jogo, um passatempo, um produto anacrônico de uma sociedade dessorada, mas uma atividade artística que, sob multiformes modulações, tem exprimido e continua a exprimir, de modo inconfundível, a alegria e a angústia, as certezas e os enigmas do homem. [...] E assim há de continuar a ser com os escritores de amanhã. Apenas variará o tempo e o modo". 


BIBLIOGRAFIA:

MOISÉS, M. A criação literária: poesia e prosa. 1 ed. São Paulo: Cultrix, 2015.

SILVA e AGUIAR de MANUEL, V. Teoria da Literatura. 8 ed. Coimbra: Almedina, 2007. 


 

OS MELHORES PREFÁCIOS DA LITERATURA UNIVERSAL - MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS (Machado de Assis)




 

AO LEITOR

Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte e, quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião. 

Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O melhor prólogo é o que contém menos coisas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus. 

Brás Cubas.

Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas. 1 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1971. 




PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN (LIVRO E FILME)





Baseado na obra de Lionel Shriver, autora do livro de mesmo nome (que por sua vez é baseado em fatos reais acerca de uma tragédia escolar nos subúrbios de Nova York), o filme conta a história de Eva, uma mulher que prezava por sua liberdade e não desejava ser mãe, mas é obrigada a assumir o papel depois de muita insistência do marido Franklin para ter filhos. Ao descobrir a gravidez de Kevin, Eva passa a sentir-se estranha consigo mesma, pois teve de deixar sua vida de cidadã do mundo e executiva de uma bem-sucedida empresa de viagens para embarcar na amedrontadora aventura da maternidade. 

Assim, Eva passa seus dias dedicando-se à nova casa no subúrbio e aos preparativos para a chegada do bebê, dividida entre dois mundos e sentindo-se culpada por não desejar ardentemente aquele filho. Após o nascimento de Kevin, ela desenvolve uma relação de amor-ódio-culpa com a criança, que apresenta um comportamento claramente arredio e indócil, como se soubesse dos dilemas da mãe em relação a ele. 

Conforme vai crescendo, o menino vai dando sinais cada vez mais claros de sua personalidade sombria, provocando a raiva da mãe em pequenas situações de convívio, principalmente depois da chegada da irmã e, claro sempre tentando colocar a mãe contra o pai, pois tinha nele um aliado. Eva sentindo-se cada vez mais desconfortável e assustada com o comportamento de Kevin tenta de todas as formas manter um diálogo com o marido, que não lhe dá ouvidos, pois acredita que o menino só está sendo criança, isto é, querendo chamar a atenção dela para ele de forma inocente. 

Entretanto, ao chegar na adolescência, Kevin desencadeará uma tragédia sem limites dentro e fora da família, o que levará Eva a questionar-se sobre o seu papel de mãe, procurando entender o porquê de tanto ódio e tanta maldade e até que ponto o próprio comportamento dela diante da maternidade influenciou a vida e o comportamento do menino. E, assim passa a reexaminar todos os fatos que fizeram com que chegasse até ali e sua vida fosse virada totalmente de cabeça para baixo. 

No livro, em forma de romance epistolar, Eva usa de cartas para buscar essa comunicação com o marido que faltou no casamento, após a tragédia ocorrida e a evidente separação dos dois, tentando encontrar a resposta para a famosa pergunta: onde foi que eu errei?

Trata-se portanto, de um thriller psicanalítico, que procura discutir até que ponto os pais são culpados pelos desvios de caráter e de personalidade dos filhos. Até que ponto o tipo de criação e o ambiente em que foram criados influencia no desenvolvimento de pequenos delinquentes, pequenos monstros cheios de maldade prontos para desencadear terríveis tragédias. 

Um filme e um livro para serem vistos, lidos e discutidos. 





COMO SABER SE VOCÊ É UM VERDADEIRO LEITOR?

 


Segundo C.S. Lewis em seu livro Como cultivar uma vida de leitura, para saber se você é um leitor-raiz ou um leitor-nutella é necessário que você apresente as características abaixo, as quais qualificam um verdadeiro apreciador da boa Literatura. Caso não, sinto informar-lhe que você não passa de um leitor-nutella, mas pode estar no caminho para reverter este quadro. 

1. ADORA RELER LIVROS 

[...] A marca incontestável de um não literato é que ele toma “já li isso” como sendo um argumento conclusivo para não ler uma obra. [...] Por outro lado, aqueles que leem grandes obras as lerão dez, vinte, trinta vezes no decorrer de suas vidas. 

2. VALORIZA MUITO A LEITURA COMO UMA ATIVIDADE (E NÃO COMO ÚLTIMO RECURSO) 

Em segundo lugar, a maioria, ainda que muitas vezes seja leitora frequente, não dá muita importância à leitura. Dedica-se a ela como último recurso. Abandona-a com entusiasmo tão logo surge qualquer passatempo alternativo. A leitura é reservada para viagens de trem, quando se está doente, momentos estranhos de solidão forçada ou para o processo chamado “ler para dormir”. Por vezes, essa maioria combina a leitura com conversas aleatórias e, com frequência, com ouvir o rádio. Literatos, por sua vez, estão sempre procurando tempo livre e silêncio para ler, e com toda atenção. Se lhes é negada tal leitura atenta e sem perturbação, mesmo que por alguns poucos dias, eles se sentem empobrecidos.

3. LISTA A LEITURA DE LIVROS ESPECÍFICOS COMO UMA EXPERIÊNCIA TRANSFORMADORA DE VIDA

Em terceiro lugar, a primeira leitura de uma obra literária geralmente é, para os literatos, uma experiência tão marcante que apenas vivências como o amor, a religião ou o luto podem servir de comparação. Toda a consciência deles é mudada. Eles já não são mais os mesmos. Entretanto, não há nenhum indício de qualquer coisa parecida entre o outro tipo de leitores. Quando terminam um conto ou um romance, pouca coisa, ou absolutamente nada, parece ter ocorrido a eles.

4. REFLETE E RECORDA CONTINUAMENTE O QUE LEU

Por fim, e como resultado natural de seu diferente comportamento quanto à leitura, o que eles leram está constante e preeminentemente presente na mente dos poucos, mas não dos muitos. Aqueles sussurram na solidão seus versos e estrofes favoritos. Cenas e personagens de livros fornecem-lhes uma espécie de iconografia pela qual eles interpretam ou sumarizam sua própria experiência. Falam uns com os outros com frequência e em profundidade a respeito de livros. Os muitos raramente pensam ou falam a respeito de suas leituras. [...]

Excerto retirado de:
LEWIS, S.C. Como cultivar uma vida de leitura. Trad. Elissami Bauleo. 1 ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020. 

AS IRMÃS BRONTE E O CAMINHO INVISÍVEL (FILME)






O filme lançado em 2016 narra o caminho tortuoso e invisível que as irmãs Bronte trilharam para publicar suas obras: Jane Eyre, O morro dos ventos uivantes e A senhora de Wildfell Hall, respectivamente de Charlotte, Emily e Anne Bronte escondidas atrás de pseudônimos masculinos (Currer, Ellis e Acton Bell) numa sociedade em que a mulher não tinha voz nem vez, no ano de 1847. Obras estas que viriam a se tornar clássicos da Literatura universal.

Também narra suas dificuldades para lidar com o irmão alcoólatra Branwell, o qual serviu de modelo para os personagens Hindley Earnshaw e Arthur Huntingdon, de O morro dos ventos uivantes e Wildfell Hall. Um filme biográfico imperdível para quem gosta de acompanhar o contexto de vida e obra dos melhores autores da Literatura universal.